14.11.14

Títulos e glória


Tava suave na nave (busão da Master), quando um bêbado muitcho crazy resolveu embarcar. Ele fez duas amigas: uma velhinha de 80 anos e uma senhorinha robusta de uns cinquenta-e-blau. Lá para as tantas ele resolveu contar do filme que assistiu: CANIBAL. - Ontem vi um filme canibal, onde uma pessoa comia outras pessoas, comia braço, perna, até coração comia.

A velhinha se alarmou: - Mas comia de verdade?
- Comia - ele disse. Comia sim. A gordinha achou engraçado e começou a sorrir com um arzinho de superioridade de quem pensa que sabe das coisas. O Bêbo fez questão de combater sua arrogância com a realidade dos fatos: - Você está rindo porque não estava lá, com essa fofura toda, ia rodar rápido e alimentar uns dez canibal.

Os passageiros do bus-Master se escangalharam de rir. A cinquenta-e-blau achou foi bom, se sentiu assim uma delícia a ponto de ser devorada. Piscou, trejeitou e arrumou o cabelo atrás da orelha. Gostosa. Absolutamente hot. Eu observava tudo de camarote, quieta, quase sem respirar. Mas ele me notou. 

-Psiu.
Fiz que não percebi, continuei a descascar os esmaltes das unhas e cantarolar uma música do Blitz.
Ele: - Ei, psiu, eu te conheço.
Olhei. Não resisti.
- Você é da Globo?
Ai. Boom: - Sim, sou! Trabalho no Faustão!
Ele quase engasgou de nervoso: Sabia! Te conheço de te ver. 
- Lógico, todo domingo estou no ar. Sou apresentadora no Faustão.
Ele abria e fechava a boca, atrapalhado nas possibilidades: - Me arranja um emprego na Globo, o primeiro salário é seu.
Fiquei pensativa, como que ponderando, e resolvi aceitar a proposta: - Mas vai ser todo meu.
- Sim, todo. TODO! O primeiro é todo seu.
Ele levantou os olhos e viu uma mulher toda de rosa, cheia de maquiagem e um ar lustroso. - Olha que garota linda, me apontou com os olhos.
- Eu a conheço, trabalha comigo no Faustão - ela deu um sorriso faceiro e fez uma pose global. Bebim estava completamente fascinado. Duas, duas estrelas.
- Qual o seu nome - ele me perguntou.
Pensei, curti, proferi: - Clara. Ele me pediu: pergunta meu nome!
Pergunto: - Qual seu nome. Ele, esperto sem ser vulgar, disse logo: Tingana!
- Tingana, no domingo vou mandar um beijo pra você, na hora do Faustão.
Ah, mas isso era demais. Ele começou a se mexer no banco, eu tinha acreditado que aquele era o nome dele e mal podia conter sua excitação, como uma criança que recebe uma bala 7 belo de um quilo. Ele olhou pra mim, colocou as mãos nas bochechas e disse: - Você é a mais linda. Eu te amo. Você é a Miss Brasil.
O povo da lotação se animou: vários gritinhos: arrasou!: tá podendo hein!: êlaiá. Mas ele não se importava. A paixão o havia dominado. - Miss Brasil, você é linda no Faustão!
Meu ponto tinha chegado. De forma romântica, deu um grito bem aberto: Miss Brasil, você é a melhor! 
O vendedor de legumes (qualquer saquinho por 2 reais) deu uma conferida em mim e pareceu concordar com Bebucho. Reconhecimento em Duque de Caxias. Nada mais lindo. Nada mais forte. Nada mais verdadeiro.
À minha coroação, um brinde!

6.11.14

R.e-leve

Meu corpo está imunodepressor. Qualquer tédio ele se acende com uma febrezinha. Meu pulso se enfraquece e meu olho fecha. Fico cansada de rir e só quero dormir. Meu corpo está de saco cheio de comer em lugares que não gosto, de ir para o fórum da Pavuna, de ver juiz careca.

Meu corpo quer sol no corpo, besuntado com suor, lambido de mar, cochilo com livro na cara. Meu corpo sabe o que é bom. Por causa disso, meu sangue já está ficando ralo, as hemácias estão metendo o pé. Acho que preciso me apaixonar, para elas quererem ficar. Porque aí nós vamos ganhar sonho com recheio de doce de leite, a gente vai tomar água de coco pra dedéu e as hemácias vão se amarrar. Os leucócitos também não estão de boa. E isso me preocupa. O médico disse que eu tô na borderline e que eu tenho que ter uma vida mais light. Filho, eu gosto de intense. Vê se cresce.

Os leucócitos vão voltar. Vou dar um jeito. Vou comer fígado.  Meu chefe mandou eu comer inhame. Ai. Meu Deus, eu mexo com tanto papel que estou ficando fraca. Essa porra é que está me dando anemia. Um monte de palavra brega. Acórdão, indeferido, indeferido. Tinha que ser wave, croissant, pelota. Iria ser outro nível.

Fico sem entender se eles brigaram entre si ou se estão os dois contra mim. Hemácia vaca. Minhas células vão morrer se você não se proliferar logo. Falta oxigênio e os carai. Meu olho ficou fulo com isso, só quer se fechar, esquecer do mundo, vê mulher gorda e irrita meu cérebro. Uma guerra sanguino.lenta.

Agora eu te pergunto: Leucócito não é quem protege a parada toda? E como assim, sabe. Só tenho 100 a mais do mínimo, tenho 4600. É o que digo. Semana passada levei todo mundo pro samba. Dei cerveja pra geral. Nessa hora ninguém se fagocita, ninguém arreda o pé. Mas na hora que enfiam uma seringa do tamanho do Japão na minha veia, a galera arrega. Leucócito arregão. O que faz leucócito aprumar? Alho? Nem sei.

Pra você ver, a gente tem o corpo completo: mamilo, boca, tornozelo. Mas nunca é suficiente. Aposto que foram atrás de um atleta qualquer. Corpo sarado, ele toma suco detox. Vai vai todo mundo, me deixa só com o esqueleto e com as veias, que eu não preciso de vocês. Vou importar sangue puro, sangue sueco, com ascendência em libras. Vou dar do bom e do melhor para os meus núcleos celulares: prometo! Quem ficar, não vai se arrepender. Vamos viajar no verão. Vou contratar um massagista professor de axé. Não ouço mais Naldo. Acabou, juro. Tocou, a gente rala. Sexo que eu não posso garantir: a vida é um moinho e essas coisas são complicadas.


Hema, Leuc, conversem com o Lipídio, cara. Ele sempre tá por aqui. Me adora. Não me larga. Acho que vocês deveriam reconsiderar e. E, sei lá, ficar comigo.

5.11.14

O(u)caso

Se você me perguntar como aconteceu, lhe digo que foi feitiço. De uma hora para outra recebi um peteleco no coração e ele voltou a bater. Destrambelhado, lambendo os beiços, cabelo amassado, coçando a bunda para tentar entender o mundo.

A surpresa do movimento foi tanta que. Que nem sei. Fiquei assim meio boiando, comendo flores pelo caminho. Sonhei com o mar ártico. Não lembro quando disse não, nem quando disse sim. Esqueci se cheguei a falar algo. Foi encantamento: perdi as estribeiras: gritei: fiz: aconteci. Cochilei e adormeci.

Aí você me pergunta: que houve?

Rapaz, bateu um vento e meu peito levantou voo(u).