18.12.08

Apego aos ímpios

Apaixonei-me por um animal. Nada feito leão e tem na pele fios de ouro.

10.12.08

Há 60. dirEitos humAnos

Celebrem todos os povos
a desunião
os humanos sem direitos

a morte da matança
a raça sem pele, sem cor.

Celebrem todos. A morte das vítimas, crises fictícias.
Cantemos louvores à destruição.

Maquinação.
Uniformes.

Rotina sem flores.

Não há enterros.
Vivemos mortos todos os dias.
Nossos hálitos cheiram a desistência e nossa esperança apodreceu.

A calmaria vem do canto fúnebre.
Os pássaros compõem para o fim.

Há grave.
Há enfermos.
Sepultamento de nós mesmos.
Nasce o sol em nós?

9.12.08

A menina e o poeta

- Ô seu poeta?!
- Pois não, minha cara.
- Onde está sua poesia?
- Guardada no coração.
- Ô seu poeta!
- Diga lá.
- Não sabe que poesia se come, se bebe, se canta, se dá?
- Que se canta eu sei sim. Mas que se come, nunca comi. Quando se bebe, pode engasgar e quem muito dá, fica sem.
- Então tá...
- Por que está aborrecida, menina?
- Porque queria sua poesia.
- Mas não vê que não posso lhe dar o que me envivece?
- Não vejo não, seu poeta. Envivece? Que vem a ser isso?
- Pobre menina. Envivecer é dar vida e ficar dando vida.
- Não pode ser avivar?
- Pode não.
- E porque não?
- Porque sou poeta.
- Ah...poeta só sente com a palavra certa.

O poeta riu dessa meninice.

- Não, a gente sente cada letra e cada palavra é uma sensação.
- Deve ser bom ser poeta - disse a menina pensativa.
- Não é.
- Mas eu teimo que é.
- Pois teime, então - disse o homem impassível.

A menina mergulhou nela mesma.

- Menina.
Silêncio.
- Menina!
Lonjura.
- Por Deus menina, refique comigo.
- Refique?! Palavra gozada. O que queria comigo?
- Ouvi-la - disse o poeta cabisbaixo.
- Me ouvir para quê, se em você se encerram as melhores palavras?
- Não sei, talvez quisesse ouvir suas bobagens - disse em tom de pilhéria.
A menina se ofendeu e se trancou em si mesma.
Foi embora.

O poeta virou açougueiro. A menina foi comprar carne.
- O que faz aqui? - interpelou a menina.
- Derramo sangue e despedaço corpos.
- Gosta do que faz?
- É a mesma coisa que escrever, troquei a pena pela faca.
- São iguais- afirmou contundente.
- O quê?
- Faca e pena.
- Você é "poeta", menina?
- Não, sou quem lê. Sou quem entende, sou quem sente os sentidos.
- Menina, amo suas tolices.
- Poeta, odeio sua sabedoria.
- Por que diz isso, se lhe quero tão bem?
- É que na sua infinita beleza nunca me fez bela. E com todas as suas rimas nunca me fez poema.

Deixando a carne cair, a menina se foi chorando.

A menina virou bailarina e o poeta foi ao espetáculo.
- Menina, dançou tão bem!
- Poeta, porque me persegue?
Afônico ficou o poeta. A menina comeu o silêncio e retomou a conversa.
- Poeta, se me ama, então se pronuncie.
- Eu te amo.
- Poeta, o que fala tão baixo?
- Coisas de amor, pequenina.
- Para quem?
- Para você, minha menina.
- Então por que não ouço?
- Porque me calo.

Lamentando muito a menina despedaçou sua roupa e lançou fora no rio, juntamente com seu coração.
Pensava coisas tão tristes.

"Amar é bobógeno. Alucina e machuca. Mas faz dançar a alma. Eu já fui bailarina, já fui menina. Agora sou grande e estática."
A menina tentou se tornar árvore, porém, era inquieta demais e nunca criava raízes. Não sabemos o que o poeta fazia por esses tempos; ninguém sabe o que fazem os poetas, o que eles sentem onde eles amam e o que os encantará.

- Poeta!
- Menina, estou bravo! Você machuca, você erra, você rasga, aniquila, perfura, inquieta. Menina, estou bravo.
Vou para longe, me esqueça. Menina, você estraga tudo. Você azeda o amor. Você é culpada. Você é cruel. Você dilacera. Você me devora. Menina, vá para longe. Eu me afasto, eu me vou.
- Que triste essa história.
- Por quê?
- Porque é tão sem esperança.
- Você acha? - perguntou o homem.
- Penso que sim. É uma história tristíssima, na verdade.
- Qual história?
- A nossa...- disse a menina quase sem falar.
- A nossa...-recitou o poeta abalado. Por que é tão infeliz?
- Porque nos amamos, mas nem eu sou poetisa, nem você menino.
- Onde está a luz dos seus olhos, menina?
- Virou fagulha - respondeu.
- Não me chama mais de poeta?
- Não.
- E por quê? - disse docemente.
Foi então que ela se lembrou do caminho das borboletas, das flores, da beleza. Ficou sobremaneira abalada.
- Porque a poesia morreu em mim. Não acredito mais no amor.
- Quem matou?
- Eu mesma. Quem matou a poesia, você diz? Eu mesma matei. Amargura mata tudo.
- Até o amor?
- Acho que sim - respondeu a garota.

A menina e o poeta ficaram por longos dias sem saber como terminar essa história. Cansada de esperar, a menina resolveu inventar o final.
Nunca se soube o desfecho que o poeta estaria inventando.
É tão duro viver, dia após dia respirar sem saber o futuro.

Vivamos a invenção como fim.

Diz o poeta:
- Menina.
- Fala.
- Vê se esse coração é seu, achei num rio.
- É meu sim, obrigada.
A menina pegou seu coração, trêmula de saudades dos sentimentos e todos os assuntos coronários.
- Menina.
- Fala.
- Tem medo?
- Sim.
- O que tememos?
- Muito pouco.
- Concordo - silenciou o poeta.
- Poeta, você me disse que não tinha medo.
- E você me disse que era bondosa.
- É possível que não fiquemos juntos.
O poeta refletiu.
- Sim, é possível.
- O amor não basta?
- Não - disse o poeta abatido.
- A vida é feia!
- Não seja tola, menina. A vida é linda demais - disse sabiamente.

A menina se pôs a olhar o céu e o poeta fez o mesmo. Ele apontou uma lagarta peluda e ela delirou.
A menina se levantou e se lançou no rio, o poeta ensinou a fazer apito de folha.
- Que gosto terá essa fruta? - perguntava o poeta.
- Como se planta cenoura? - perguntava a menina.

Eles parecem parecidos e amam engraçado. Cada qual com seu jeito, cada qual com seu belo.

- Eu sou poeta?
- Sim - disse a menina sorrindo. Eu sou menina?
- Não - disse zombeteiro.

E assim acaba esse mundo.

Conta de letra

O meu conto tem que ser pequeno, porque há pouco papel.
Tanto desmatamento, mas pouco papel meu.
Deve ter caído em mãos erradas e, se conteriam poesias, agora terão impostos gravados neles.
Papel escasso.

As palavras são poucas e resumidas. Sem tarifas há pouco o que falar. Sem estatísticas, pouca verdade.
Números não mentem. Pessoas sim.
Associemo-nos às calculadoras: seguras e serventes.
Nada de conversa ou fé. Promessas, projetos. Apelos.
Calculadora, não chora, nunca teve o coração partido.

Aprendamos com as coisas a nos desumanizar.
Não peça nada que não seja aritmético.
Há operações impossíveis ou extensas por demais.
Não cabe.
Sem excessos. Não há vergonha, só resultados.
Injustificado é o pranto e a insistência.

Há, repito, operações impossíveis ou extensas por demais. Não cabe.
Papel escasso, o conto tem que ser pequeno.
Pouco papel meu. Mãos erradas.

Uma pena desperdiçar essa vida literal, alfabetizada.
Porém, número é quase letra. Número é letra de contar.
Símbolo
de contos.

Para demonstrar, nos serve a seguinte expressão:
1+1=0. História antiga de duas pessoas que se amam, mas se arrancam da conta. Para ficar nada.
Zero é símbolo do vazio.

Minha esperança é que os números se rendam à poesia e, quando os empurrarem pro visor, que os símbolos da razão contem sobre o amor. Que façam as contas mais loucas.
A aritmética mais linda.

Bloco

Hoje vi um bloco de palhaços.
Tinham roupas coloridas, bolas apontadas para o céu, cara branca e vermelha.
Vi um homem sair correndo com muletas, fazer delas pernas e ficar maior do que todo mundo. É assim que se ganha títulos: "o homem da perna de pau"?!
Eles tinham bandinha. A Sete de setembro parou.

Eu. Cara na janela, sorriso no rosto.

Fui com eles, mas sem poder descer do prédio. Palhaça.
Lá de cima eu me regozijava: há gente livre enfim.

Apuntes divinos

A gente fica um dia inteiro esperando o vento.
Chuva. Chuva.
Quando estamos indo embora do dia, lá longe vemos estrelas nas árvores.
Brilho nas copas, balanço de leve.
É a chuva na folha com sol de partir.
O sol se vai, rindo, dourado que só ele.
Foi ao poente, mas antes mandou abrir o céu no mais alto azul. Para fazer brilhar árvores.
Vento não teve. Se as folhas balançavam, era porque os olhos as puxavam.

Agora faz muito frio. Porque aquele mundo se pôs.

3.12.08

Intimem-se

Renego a vida.
Abraço a morte.
Entre, passe bem.

Autoridades
grandiloquentes em sua estupidez.

Mordaça a todos os que estão presos
As chamas e a perdição, merecimento apenas.

Atendo aos pedidos de sucumbência.
Perca você.

Apanhe a volta do mundo
Rosne seus motivos

Invejável é a sua incompetência
Reluzente sua incapacidade

Digam a todos:
Intimados estão.

Prestem os esclarecimentos
da sua ignorância

Vão caminhando ao topo do abismo