29.8.09

Lorota boa

Recebi uma notícia que dizia assim: estacione-se, pois que é hora de ver as cores da aurora. Foi com um grito reprimido de alegria que aprontei meu coração.

Pus uma delicada blusa de renda com botões de pérola, prendi meu cabelo com grampos dourados. Fiz as maçãs do meu rosto mais vermelhas, pintei meus olhos cuidadosamente. E fiquei feito flor desabrochada e suave.
Recebia os ventos, as brisas e meu perfume decolava.
Ao andar, a grama se prostrava diante dos meus pés e eu flutuava.

Em suspenso e com uma sensação amorfa de esperança, fico assim, fincada na vontade dessa idéia.

27.8.09

Gabinete

A situação é de perplexidade e gozo sem fim.
É um abraço daqueles macios que transmitem a textura de um rosto de aconchego.
Um certa bochecha avermelhada, rubra, ornamentada por uma face dócil e alva.

A perplexidade me cansa a alma e caminho com os pés pesados de tanto chão. Parece que, por algum motivo, as solas se apegaram ao centro da terra e meus ombros são sugados para baixo, de maneira que meu tronco é comprimido e minha mente se desfaz em agonia.

A perplexidade me regenera, com uma serenidade quase cruel. Depois que se leva o susto, é tendência humana aliviar-se: pela sensação forte e abrupta não perdurar para sempre. Aquele estraçalhar atônito não ser infinito.

E é perplexa e exaurida que puxo um fio de esperança, um certo fio de ouro que ornamenta meus cabelos, corpo e vestido. E assim vou tecendo com esse fio imenso...vou tecendo num linho branco, que se movimenta e dança em mim, que se prende e me cobre lindamente.
Como uma princesa resoluta, limpa e descansada, fecho os olhos embebidos em cílios sonhadores. Cotidiana mesmo, esbanjo acontecimentos fantásticos em um mundo de puro prazer.

A perplexidade me levou para caminhos extremos.

É chegado um bom lugar.

8.8.09

Que é o amor, Dorinha?

É uma espécie de moer de ventos, não acha?

Sim, penso que é como se os pulsos de transportassem mutuamente e ficássemos rarefeitos.

É isso o amor, Dorinha?

Não sei Arlindo, às vezes percebo que o amor é como o teto visto do chão.

E como é?

Arlindo. Do chão vemos quão distantes estão os tetos. O teto para os que se deitam é como a parte de dentro do cume. É o interior do ponto mais alto. O amor é isso, meu bem, é ver de dentro nossas alturas.

E o que se vê de lá?

Sempre se vê o que os olhos mostrarem. Antes de dormir, no silêncio da casa morta, me arrumo no chão, como quem é macia para as pedras e não se arranha em nada que risque. E assim, maleável e morna, rodo meu corpo, barriga apontada para o céu, olhos na parede de cima. O amor, Arlindo, é a parede que nos cobre.

Nos cobre da chuva e das estrelas.

Exatamente, é pela mesma proteção que abrimos mão de brilhos dos universos.

E vale a pena, Dorinha?

Meu querido Arlindo, se não são as estrelas do peito as que reluzem mais e os passos que nos conduzem para o abismo aqueles em que há mais vida. A vida é um puxar de cordas: puxamos profundezas, nos suspendemos a nós mesmos.

O que há de ser de nós, Dorinha? Temos um amor tão forte que ultrapassa nossas realidades.

O que há de ser de nós, Arlindo? Somos tão felizes que sobejaremos eternamente.