26.9.09

Neruda

Mariposa é borboleta
Caracol é lar
Onda tem orelha
Chuva se desnuda

Com poesia
tudo se suprime do nada
e chupamos o doce da vida
vendo o leque de crepúsculos
comendo estrelas
lambendo ternura

O amor é
a invenção mais real
de se parir

22.9.09

Pavão Pavãozinho

Vi um pavão, todo cheio de penas, lustroso, exibicionista, maquiavélico, mal intencionado mesmo. Não venha me dizer que faz parte da sedução e que é em busca de um grande amor que ele se abre colorido. Nada disso. Pavão de rabo de leque quer mesmo é aprisionar a todos pelos olhos. Nunca vi plano tão cruel: demonstrar-se inenarrável. Pois que assim, não há como prevenir ninguém. Por mais que anúncios fossem feitos, explicações extensas e vigorosamente científicas fossem proclamadas.

Um encanto, não sei. Mas vi duas crianças tropeçarem ao vê-lo, uma outra deixou o pirulito cair das mãos, parece que a medida que ele se apresentava, a mão da menina ia afrouxando, como que impotente e arregalada.

Eu falo do que tenho visto. E vi um homem chorar e secar as lágrimas com o jornal, o pessoal que passava teve que segurá-lo, porque ele queria se abraçar no animal pavão. Um escândalo absoluto, começou a juntar gente, policiais foram chamados, mas adivinhe? Exatamente, todos sucumbiam.

Os guardas pegaram seus cassetetes e fizeram um monumento para O Pãvãozão. Naquela confusão alguém começou a reclamar que a obra de arte estava atrapalhando a visão e deu um chute. Então, foi uma montanha de cassetetes golpeando todo mundo na queda. Terrível. Obviamente, uma ambulância foi chamada, chegou com sirenes, luzes vermelhas piscando (aliás, quero ressaltar que era um carro belíssimo). Alarmados, a equipe médica se colocou a postos: talas, injeções, esparadrapo. Havia uma quantidade impressionante de povidine. Ao se aproximarem dos feridos, viram que eles balbuciavam palavras como: plumas, lindo, quero. E apontavam, apontavam e esticavam as mãos em uma direção, como que tentando puxar algo. Já meio amedrontados, os ambulantes que cuidavam dos enfermos olharam: viram!

A arruaça se instalou. Algumas injeções ficaram ali, penduradas no bumbum do paciente. Coitados. Mas não teve para ninguém, o motorista da ambulância, quando percebeu o que acontecia, engatou a primeira e foi na frente de todo mundo para ver o ditoso pavone. Naquele afã, acabou atropelando quatro lagartixas que transitavam pelo local.

E aí se dá o perecimento da estória, já que o pavão era amigo das bichinhas, logo que viu seus corpos estraçalhados, ficou mole, murchou a cauda e foi tristonho andar na grama.

13.9.09

Descumprição

Sérgio era homem de bem.
Tinha um cabelo assim
meio
colado


na
cabeça


e face muito
viva.
Sérgio era gente de paz.


Plantava Odete no peito

e

Odete
tinha jeito de quem


Rumores diziam:
Sérgio e Odete tinham
olhos

de quem

se ama


clandestinamente
mal entendiados
semsaberemmuito

como

Sérgio
quem?
Odete
como?

num poema confuso
leram
releram
para no final
desentenderem


Sérgio tinha jeito de bem
Odete era gente de quem?

9.9.09

Iô-iô

Quem me dera, que coisa boa seria ter a vida de iô(iô), ficar indo e vindo passeando numa cordinha de barbante, ter sempre uma mão me esperando para me rolar de novo.

E caso eu virasse de mal jeito, ficasse só a rodar um tempinho baratinado, mas tão logo me vissem fora do eixo, me enrolassem, me arrumassem e me soltassem.

Seria bom, fariam esculturas com meu corpo ioioante. Seria bom: eu seria tratada com destreza.

Seria bom esse balançar de cadeira bamba.

Na vida o que se quer mesmo é ter quem lance e ter quem puxe. Se me fosse dado um ioioador competente e aprumado, quem sabe eu não acenderia luzes ou emanasse algum tipo de som. Daqueles sons especiais que testificam excelentes resultados.

Se eu, iô-iô, fosse feita objeto pessoal e guardado com cuidado no bolso. Se eu, iô-iô, fosse artigo de passa-monotonia ou libera-tensão-grave. Se eu fosse desse tipo de gênero, seria espécie divina. E assim, ioioandaria pelo mundo feliz e congratulada de emanar de Deus.

Seria como um cachimbo que estimula graciosos pensamentos dos velhos. Ou como uma escova macia que desembaraça o cabelo das mulheres antigas. Ioiozaria tranquila a vida de todos.

Iô iô : iá iá. Canseira gostosa de partir sem distanciar-se tanto.

2.9.09

Pipoca

Era uma vez uma menina que se chamava Dona-quer-saber. Dona-quer-saber é muito bonitinha, tem o cabelo bem enrolado, daqueles que sugerem: tôim e nós, bobos, louvamos: nhôim. Tôim nhôim nhôim e o cabelo dela vai fazendo.



A menina Dona andava meio engraçado, sabe? Parece que ela dava um jeitinho de levitar, de tão macios que eram seus passos, mal deixava pegadas. Você não imagina como eram os olhinhos da garota! Eles eram redondos e enooooooooormes, de uma cor meio verde meio mel. Uma delícia.



A senhorita Dona dona, bem queria saber de uma coisa - e nisso eu queria que você me ajudasse, caso tivesse algum palpite. Ouça bem a seguinte estória:



A dona dona, dona, dona. Então, a senhoritazinha estava querendo descobrir de quem Mário gostava e ficava quebrando a cabeça, dia e noite, noite, tarde e madrugada. Pensando, pensando.

"De quem Mário gosta?"



Talvez você vá logo dizendo apressado: "Mas que fofoqueira!". Não é nada disso, é porque a mocinha não era uma boa entendedora de corações e ficava toda confusa. Na verdade, Quer-saber queria descobrir-se objeto do amor de Mário. Porque já estava decidida de que se Mário gostasse dela, ela também gostaria dele.



Só que nada, nem uma pistazinha. Coitadinha dela, pensava no Mário até quando escovava dentes, e nada. Não conseguia descobrir. Perguntar a ele? Não!



Dona-quer-amor tinha duas opções:

1. Mário estava apaixonado por uma rapariga qualquer, que ela nem conhecia e provavelmente era um banguela cheia de perebas na cara.



2. Ele estava loucamente apaixonado por ela, só que ele não conseguia dizer isso, pois temia que ela não o amasse. Só que não sabia que ela tinha uma pré-disposição para amá-lo muito, desde que o viu. Só que não podia. Só que sem saber disso ele ficou quieto. Só que esse silêncio e esse tempo de quietude só fez tudo ficar bagunçado nas vidas. Só que tudo ia se resolver.



Não pensou em mais nenhum caminho possível, descartou logo as suposições que envolviam alienígenas.



Ai ai. Carrapato não tem pai. Olha, ninguém sabe o que passa por dentro dos olhos dos outros. Vai ver a menina era a flor mais colorida de Mário. Vai ver ele guardou em segredo esse imenso amor. Vai ver, ah, vai ver ele olha pro mar e lembra dela. Recita poemas pensando em seus cachinhos. Vai ver eles serão felizes para sempre.



Dona-quer-saber, quem saberia lhe responder?

Será o tempo?



Eu aposto minhas meias vermelhas que não, que isso chegará por boca mesmo, boca de gente. Com notícias de campo, da donzela banguela ou da Doninha habitante do peito de Mário.



Era isso o que tinha pra contar. Agora que já terminei de falar os fatos e relatos, vou para minha sugestão de final.



Dona-flor-que-Mário-quer em uma dia de verão com a lua bem cintilante. Digo dia, mas já era de noite (achei melhor explicar os detalhes). Dona-etc-etc, encontra-se com Mário, sem querer-querendo muito. Resumindo: A garota saiu de noite pra bater perna e paf! deu de cara com o dito cujo.



Prepare-se, é romântico.



Olha, aí. Mário olhou para a Quero-quero e ficou deslumbrado e nem esperou ela piscar ou coçar bochechas, por exemplo, não. Ele foi logo olhando bem dentro do globo ocular dela e dizendo: “ó, criatura lindorosa, eu sou caidinho por você, não sei como não percebeu antes”. A Dona-quer exclamou: “ih, criatura divina, eu sou distraída mesmo, mas adorei saber dessa novidade”.



E assim, com a maestria celestial de corações transbordantes, comeram pipoca e deram as mãos. As bocas, essas coisas de namorico, ninguém precisa ficar explicando.



Fim!