18.3.15

N’est pas l’amour, mais c’est pareil.

Não se sabe muito bem a classificação, mas é um sentimento morno e confortável, no qual cochilamos. Não chega a ser amor filhote, é outra coisa gostosa também, só que com outra textura. É como se estender no sol na calçada do vizinho, fechar os olhos e sentir o cachorro lambendo seus pés. Uma preguiça de ser energicamente feliz, um deixar-se em paz.

Estou enjoada de paixões: um tumulto, uma histeria, despencamento que é trop pour moi. Todo mundo se ama pra sempre e depois não manda nem cartão de Natal. Porém. Estou enjoada do marasmo, comer chocolate, sushi, sashimi, enfrentar a tpm sem dormir esgueirada no sovaco de um fofolete cuticuti.

Dilema, percebe? Dilemasso!

Bem, como estou proibida de fazer projeções, não posso esclarecer como será o futuro. Mas, imaginar não é projetar, no que adianto o seguinte: pretendo me entregar a um sentimento novo chamado sambarelove. É parecido com o amor, mas ninguém ama ninguém. Também não é aquele desprendimento de carpe diem. Sambarelove é deixar-se sentir uma coisa boa e vem do latim tchururum estilum que significa “se está maneiro, tá legal”. No sambarelove os estresses são moderados ou baixos e o porvir não é muito bem definido - mas vai ser bom.

Importante não confundir com o sentimento passandonacara ou pegaçãodxsnovinhxs. Esse aí é um sentimento válido, mas que não faz carinho na alma. Sambarelove toca o seu coração. Você olha pra pessoa e gosta muito. E quer ficar perto, quer ver mais. Mas não quer chamar de amor e contar prazamigas e pensar nos filhos e se preparar pro divórcio e voltar pra academia e dizer que tudo passa.

Sem roteiro ou desfecho, uma florzinha colorida que a gente traz no peito.
Não vem no manual, mas a gente aprende a manejar. N'est pas, mais c'est. Não é amor, mas nos assemelha.

O que a Morte não toca

Recentemente tive uma experiência transcendental que me aproximou, e muito, da temática mortífera. Por um motivo ou por outro, tive um piripaque logo depois de preparar espinafre com ovos. Senti uma leseira, um bambolejar dos joelhos e pronto. Depois disso foi só acodimento: minha mãe olhou para minha cara e viu São Pedro segurando minha mão. Toma sal, olha o remédio; minha avó, trêmula pegou o sagrado aparelho de pressão. Da minha parte tive várias sensações únicas. A primeira foi a expansão de pensamentos. Pensei que minha alma tinha saído do corpo, mas depois percebi que meus movimentos estavam devagar e meus pensamentos, apressados fluiam: pega o copo, o copo, vai cair! O copo, casseta! Já que a mão não ia, o pensamento flutuava até o copo. Você vai se estabacar, segura na pia, se joga na pia, chama alguém! E como eu permanecia imóvel, os comandos se espalhavam como ondas, tocando os objetos, como quem mostra a direção.

Quando minha mãe me olhou, viu isso tudo. O que ela não sabia era que meus lábios estavam duros feito durepox e formigando feito cotovelo que bate na quina. Ganhei sal, proferi uma cura rápida e fui tomar banho. E sem muito ensaio, estava sentada no chão do box, xampu escorrendo, a água quente amolengando ainda mais a minha carne. Meio desconfiados, os familiares evocaram meu nome e meia dúzia de respostas desconexas fizeram uma abordagem direta necessária. Desliga chuveiro, coloca roupa, só mulheres no recinto. Eu, que era dona de mim, protestei com todas minhas forças, uma vez que não havia ainda passado o condicionador, o que deixa meu cabelo espigado. Não me deram ouvido e saí sem classe, com pijama de bolinhas e cabelo ressecado.

Minha vovó, D. Edilsa, loirinha e pequenininha com unhas rosas, ficava saltitando de uma perna para a outra sem saber o que fazer. Meu pai achou que era movimentação normal da casa e decidiu se focar na digitalização de documentos. Ora ora, já que minha mãe resolveu fazer qualquer coisa lá pro lado da cozinha, a sogra (minha avó), ressentida como só as sogras podem se sentir, resolveu que iria solucionar ela mesmo o problema. Desempacotou o aparelho de pressão enrolou no meu braço e, paralelamente, percebeu que havia uma peça a mais. Gritou: Ai, minha nossa Senhora. Abriu as pernas do auscultador e colocou uma em cada têmpora. Vó, isso é pra ouvir, risonha coloquei nas orelhas dela. Garota, isso vai explodir meus ouvidos e você vai ver uma coisa. Parei de achar graça quando ela começou a apertar a bombinha e esmagar meu braço, a mão ficando branca. Ela sentenciou: Tá piorando, a mão e a boca sem sangue, hein. Nisso vem minha mãe, com um ar profissional e competente, me dá uns remédios e explica: muito baixa a pressão!

Minha avó suspirou aliviada, se benzeu, pressão alta é um perigo, fui parar no UPA! E nada no mundo fazia ela entender que muito baixa era ruim também. Que benção, minha filha, pressão baixinha! Nessa hora minhas pernas estavam para cima o que ela achou pura bobagem, minha melhora era garantida. Minha mãe explicou o que acontece quando a mínima e a máxima se encontravam e disse que eu cheguei a 9,5 x 7,5. Dona Edilsa olhou para a nora com profunda mágoa, por não ter sido mais clara antes e resolveu que os paparicos precisavam continuar: fingiu que catava piolho, apertou todos os dedos dos meus pés, contou as minhas três estórias favoritas da infância dela e por fim me deu 50 reais.


Depois disso melhorei. Meu coração disparou vendo Cidade Alerta com a minha avó e fiquei tão nervosa que pedi o aparelho dela de pressão. Mas me convenci absolutamente de que eram gases e fiz tanta força, tanta força que por fim peidei e dei o caso por resolvido. Minha avó deu aquele olhar sapeca e me chamou do velho apelidinho caseiro: peidona, minha peidona. E por um instante mágico ela me fez entender que a maioria das coisas da vida (e da morte!) se resolve com uma boa e conhecida flatulência.

12.3.15

Já-amais


Há horas na vida em que os sinos tombam e o tempo esquece de ser marcado. Os dias se tornam uma continuidade fluida de acontecimentos assimétricos. O passado e o futuro ficam constantemente se beijando, deixando o presente de lado – entediado e bocejante.

Muitas memórias nos acordam, roçam nas nossas bochechas e nos dizem bom dia. Entre um cochilo e outro, sonhamos com o porvir. Sem maturar o desejo: se as expectativas devem ser empunhadas ou rechaçadas. Nesse terreno lodoso, patinamos por paisagens espetaculares. Amores antigos. Risadas macias. Olhinhos brilhantes. Dá saudade daqueles que morreram na nossa vida. Pessoas que se distanciaram e nunca mais voltarão.

Dentre todas as palavras que aprendi, uma se ampliou dentro de mim. Desilusão. Não falo como quem parte de uma orla de tristeza, mas como um cachimbo na boca de um velho sem dentes. Como quem observa a vida, sem o interesse de mastigar coisa alguma.

Eu encarava promessas com a tranquilidade de quem recebe um título de crédito. A palavra como sendo um legítimo penhor. Ah, miragens. Mentiras e desculpas empilhadas sobre a minha cabeça. De onde tiramos tanta inocência? Com que forças voltamos a recreditar no amor over and over again?

Olhando ao redor, vejo tanta coreficina. Gente que acreditou no amor e quando abriu os braços, recebeu uma pá na cara. Sem elegância, sem charme. Acabou ficando estirado no chão, com um nariz que saia meleca e sangue, olhos de muito mimimi e lágrimas. Quando é comigo, penso que a cena não é tão feia, mas olhando o desastre dos outros, percebo que se desiludir é uma espécie de estrangulamento da esperança. Um lance pesado e quase insuportável.


Mas, voltando ao meu cachimbo e minha barba por fazer, vejo que de alguma maneira a pessoa se recria. Deixa aquela carcaça alvejada no chão e parte para outra existência. Às vezes se reinventa, às vezes se repete. Eu fico pensando que isso é um milagre deslumbrante. A capacidade do ser humano de se reerguer apesar dos pesos dos pesares. Riscam a cartilha inteira, arrepiam as certezas, peidam na nossa farofa emocional, mas aí arrumamos outros papeis, reorganizamos as verdades e a farofa que se dane. Bem, jáamais e amareis de novo.