25.12.11

Natalino

E eu andei pensando no Deus. No natal. Em bacalhau. Sorvete.

Nossa, eu fiquei pensando no dia em que pari um rio dentro de mim: naquele dia em que as nuvens flutuavam dentro dos meus olhos. Fiquei pensando, aquele dia. E eu lembrei que foi a mesma sensação de quando estive no meio de um cardume de centenas de peixes prateados, de olhos vermelhos, brilhando dentro da água e eu sugando ar e eu com olhos arregalados guardados dentro daquela máscara. E os peixes me fazendo o centro de seu redemoinho. O cerne do movimento. Aquelas escamas luminosas. Porque a gente não come escamas?

Jesus é a escama luminosa que eu engoli, agora eu carrego todo aquele oceano dentro de mim. Carrego todos os mares e até a areia e até os corais. Jesus entra carinhando o coração. Faz crescer grama lá dentro, todas as margaridas são convidadas a florescer, as árvores ficam frutíferas. Ele faz do nosso peito um pequeno paraíso.

Isso que é natal então: lamber luz e resplandecer para sempre. Sente o vento agora, ouve se Deus não está sussurrando. Fecha os olhos e vê o mar, vê se ele não canta para você. Deus não é uma gostosura?

Mas que silêncio bom esse onde a paz reside. As más lembranças murcham, os medos desvanecem e a perseverança se espraia, a tranquilidade se esparrama nas nossas cabeças e a gente consegue ver o céu. A gente vê átomos de tungstênio, arco-íris, pirulito Zorro: só coisa rara, só coisa chique. Eu adoro os planinhos de Deus, sempre mirabolantes, manjedouras, faraó, marsefecha - mar   se    abre, e cura cego, e virgem fica grávida, e sonha daqui e aperto de lá. Eu queria era entender Deus, para poder opinar melhor sobre os assuntos celestiais, meter o malho no diabo e aprofundar relacionamentos divinos.

Tenho para mim que esse nascimento de Jesus é o marco teórico da Trindade, o conceito-chave. Teologia. Com a alma a gente vai compreendendo Deus, a gente vai pulsando ando, ando com ele: coração com coração. Ah, bendita escama prateada, tudo é diferente agora. Vivo num espiral de contentamento e esperança. É, Zézuis nasceu: em mim. Cá dentro, que delícia, que delícia esse natal!

3.11.11

Porvir

Meu futuro é um vento de flores. Flores amarelas.

Andei visitando outros universos e hoje sou uma pessoa interestelar. Desde então minha alma ficou brilhosa e quatro luas nasceram no meu peito. Eu tenho satélites. Satélites construídos de palha, com uns arremates de madeira.

Quando olhei nos olhos daquele homem, eu vi quantas galáxias me faltavam. E eu me mergulhei nelas. Nadei, em todas elas. Me lambuzei naquela íris, lambi cada cor, me enchendo daquela paisagem ocular. E até hoje estou por digerir. Digerir. Digerir aquela alucinação deliciosa que é olhar nos olhos de quem amamos.

Sabe, amar é se enfurnar num mundo de algodão, é trazer em cada punho um lírio. Amar é você querer se despencar de si mesmo para se desalojar todo dentro do outro. E morar ali, antropofagicamente, dentro dele, cheirando, tocando, sentindo cada pulso, cada sangue que escorre, cada medo que mata. Ali, no meio dos líquidos intersticiais, entre as células e o pulmão. Este é o lugar de quem ama. Âmago.

Amar é meio nojento.

Perdemos muito da compostura. Mas lá, naquela galáxia, nada disso é feio. Aqueles olhos são uma galáxia gentil, lá podemos comer quantas almôndegas quisermos, não fica mal ser guloso, nem é errado querer mais. Ah, lá em-aquela galáxia as mãos são feitas para falar. E elas percorrem seu rosto e dizem assim: baixinho, baixinho: te amo, te amozinho. E sua boca ganha carinho e os lábios ficam brincando nos seus olhos e você não vê mais nada. Nadinha de nada. Só fica ouvindo. O coração faz tum-TUM-toin-ai-ai-tum-TUM-ah.

A vida é estranha, pois minha galáxia tem cílios. E meu amor tem um monte de cabelo. E bebe cerveja. Por isso escrevo em prosa, para caber um amor concreto. Meu romance é barato. Meu amor fala outra língua. E ele fala dito e eu penso, feito.  Sussurra agora e eu imagino sempre.

Onde eu estava com a cabeça para dizer que eu tenho satélites? Feitos de madeira e palha ainda por cima!  Era segredo.  Temos que amar em secreto e ter muito cuidado. Olhe para um lado, veja o outro. Invasores. Mulheres xexelentas e horrorosas desejosas de surrupiar nosso chuchuzinho. Eu não tenho satélites (mantenha segredo). Ele não é um homem (confunda o adversário). É uma pessoa com um hálito terrível (minta, minta, minta!), ele fala coisas sem sentido (bem isso é verdade).  Meu Deus, que risco. Que risco estou correndo! Não deveria ter falado nada. Vou fazer cara de triste e amarga. Cara de domingo à tarde: desilusão e tédio. Não há de falhar. Ah, se souberem como é incrível, poderoso e sensual. Sensual? Hm. Sim. Aquilo é um oásis, água fresca, calor moderado e descanso perpétuo.  Gente, gente, me acode: amar é bom demais!

19.9.11

Pracinha

E, ah, se você fosse mar: eu me afogaria toda.


E, ah, se você fosse céu, eu avoaria até suas alturas.

Aconteceu uma coisa terrível. Um incidente indestrutível. Uma cena inenarrável. Um negócio esquisitíssimo: eu vi o amor. E ele usa cuecas vermelhas e faz música de improviso. E isso tudo descobri porque estava cega de um olho, então acabei vendo do ouvido são.

Estava eu, no bancoamarelodapraça. Parada feitoum p o s t e velho. Antiga como a barba de um profeta. Tediosa como um velho a.pose.ntado. Cabelo arrumado, sim senhor. Olho meio peixe morto, pois sim. Foi quando (e quanto!) um homem passou, sem mexer. Achei que era uma visão divina. De repente, já eu esperando raios e luzes coloridas –altamente celestiais – e de repente: paf: ele tira neve do bolso. Um monte de bolinha de neve. E você não me venha dizer que é estranho, mas que todo mundo já tem a sapiência que esse tipo de visão é estrambólica dessa maneira mesmo. E eu posso continuar?

Então veja. As bolinhas de neve foram se aderretenu e se viranu nin água de mar. Ixe que eita ferro o Oceano Transatlântico ficou todo lá esparramado na praça e os peixe tudo ficou querendo de comer os pé das pessoa. E eu não tive medo. Já abandonara de pronto as concordância. É que eu estava vendo de ouvindo e ouvido só tem medo de trovão. Mas olha que aí que eu gritei: “Quem és tu ó grande Lorde?”, mas ele me respondeu: “Ih, I don’t speak portuguese.” E, sem saber o que dizer taquei lhe uma resposta: “Me too not pra você também.” E fiquei ali, com cara de feiticeira poderosa.

Mas ele tava que tirava bolinha de neve do bolso e eu já preocupada com uma inundação na Praça do Carma(o). Foi então que eu falei logo dizendo: “E é então que a gente vai falar é sem linguagem!”. O homem visão disse: “Ok.” E a gente falou uma montanha de palavra, as letrinha até que ficaram cansada de tanto disse me disse. E nada. Nem um entendimentinho. De alguma maneira, extraordinaricamente a gente acordou de ele ouvir com o olho dele (que funcionava muito bem, só precisava de óculos para dirigir de noite) e eu iria ver com ouvido bom. E eu iria sentir seu silêncio e ele pairar em minha pausa. E ficamos assim. E ficamos assim, inertes. E ficamos assim, transbordando. E por fim ele me perguntou: “Qual é seu nome?”. Eu-queitude. Eu-nominada. Eu-infinita. Eu-todanada.

E me perdi a coragem de devolver a pergunta. Fácil. Eu fiz o silêncio dele e ele me entendeu por inteiro. “Eu sou amor, sua visão de amor. Sua esperança de ah mar.”

Mas então eu aprendi. E amor, caro ouvinte é a interrupção de sons. É a linguagem não dita. O amor é a gente se transbordando no outro. É quando as nuvens se derretem, quando o mar escorre para dentro de nós. O amor é um farfalhar de folhas, um soprinho das brisas: uma delícia dos deuses. É quando uma alma beija no nariz de outra alma. Uma simplicidade tamanha, como engolir os rios com os olhos, devorar montanhas com os pés, roçar a mão na terra. Eu vi o amor na Praça do Carmo. Praça do Camor. Na praça de nós. Na esquina de mim mesma. Parado em frente ao sinal. E sabe o que ele me disse: “Acorda! Ou pensa que esse banco é todo seu?”.

Eu disse que era difícil de explicar.

26.6.11

Pronunciamento

Cabe tudo no silêncio. Se o barulho.
Se o barulho não é uma tentativa de despistar essa amplidão. Por tanto. Queremos porção, uma poção de palavras para dizer o que foi - o que é - e o que sermos-emos.
Um punhado de sentenças. É a vontade.

Mas só há cala calam. cala midade.
Bocas cerradas. E mais nenhum encantamento sendo proferido. Já há tanto! Sim. Tanto desejo, que quando for dito, quando a palavra roçar a realidade: sedentos, devoraremos todos os sentidos.
Nós vamos lamber os conceitos. Memorizar as máximas. Estampar a síntese.
Utilizar nomenclatura.
Porque o silêncio, querido, é uma espécie de dita dura.
Ao nada, falta superfície. E sobre que textura nos debruçaremos?

Esse significado arreganhado que o silêncio traz. É um convite à invenções.
O silêncio são palavras desmontadas.
Nossa vontade é cavalgar.

12.6.11

Fim de festa

E vem uma dorzinha no coração. Uma tristezainha de inverno. Aquele muxoxo de fim de festa e, ah, a conclusão se instala, leve leve, boba boba, certa bomba, ai: acho que virei estatística. E agora? Bem, amigo, a esperança é resignificar. Deve haver quem decodifique. E se eu for número, que eu seja símbolo. Agora, senta aqui. E vamos ver a paisagem. Nesse banco. Para sempre. Esperar.

29.5.11

Moradia

E onde mora o medo. E o que se teme: partir ou chegar? Quando me parte ou quando se chega. Em que tempo. Em qual pessoa.

Mas que temos medo de ver. E nossos olhos estourarem. E todos os sentidos se perverterem com a visão. E de repente o tato navegar em cores. Então, o paladar engolir sons. E os nossos olhos escorregarem para dentro de nós. E medo de nossos passos deslocarem os significados. O mar se afogar na areia coberta. Sentirmos a Terra como o pote do vento. Entender o fruto como a morte da flor.

Mas o que fazer? Para evitar esse desmonte. Derrubar planícies? Construir uma floresta: estacas de folhas por todos os lados e fazer das copas, as montanhas. E relevar melhor a vida. Fazer com tudo mais altitude.

Mas talvez uma ciranda resolva o problema, com danças bem triviais. Flautinhas. Um trombone. Um ritmo de circo. Fitas penduradas aqui e ali. Talvez umas luzes coloridas. Talvez dê jeito. Um mexicano com um bigode bem engraçado. Talvez conserte as coisas. Uma roupa mais florida, quem sabe não resolve a situação? A risada de um velho sem dente. Pode ser um solucionador. Aquela gengiva aberta.

E quem sabe não exista mais nenhum problema e o medo seja transformado em saliva. E se cuspa medonhos, no meio da rua. Escancarado e público: o medroso estirado no chão. Moribundo medoinho.

Vida, me tire para dançar. E vai ser infinito esse baile. E eu escondo meus pés. E não se sabe meus caminhos. E me tire para dançar, que eu faço o sol se pôr aos nossos pés. Ah, me tire para dançar. E veja se aguenta a felicidade. E Paquetá será pequena para nós dois. E pedalinhos faltarão para nossas pernas. E o Pão de açúcar caberá no céu de nossas bocas. E Cristo há de nos redimir. A Lagoa terá mares de oceano. Em todos os cenários caberão serenatas. E as risadas serão nosso amuleto; os suspiros, nossas medalhas. Não faça desfeita. Tira. Dança. Venha: vida.