25.10.09

Repetição

Vamos fazer poesias modestas
Vamos brincar de cantar
Vamos cantar de fazer riso
Vociferar. Vociferar.
Arrastar a tristeza para longe
E ali fincar o amor


Vamos pular de alegria
Vamos dançar de rodar
Vamos correr para o alto
Movimentar. Movimentar.
Até chegar o amor


Vamos olhar para cima
Vamos lutar para vencer
Vamos falar com estrelas
Endoidecer. Endoidecer.

11.10.09

Enlace

Outro dia me falaram de amor
e eu, abobalhada, fiquei sorvendo

Fui num casamento de almas.
Ah, não se pode imaginar a densidade do véu,
o brilho do branco que se arrasta em cauda.
Noiva deve ser feita de nuvem.

Aqueles passos marcados,
é ela a própria música.

Invade a sagrada igreja com a pretensão de selar o infinito
com a coragem de um sorriso trêmulo

faz brilhar o colorido
faz brilhar
o apagado das coisas:
reluzir

o padre disse
"vocês prometem amor eterno e fidelidade perene?"

todos na igreja gritaram
"sim"

nós cremos
cremos nas escrituras
em deus trino
em jesus vivo
no amor de adão e eva

invocamos que o amor seja verdadeiro
e sobeje em nossos corações
e se case em nossas vidas

imploramos
para que fiquemos impunes
por dar-se em amor

junção
esta

como um fio indestrutível de esperança

5.10.09

Curso de poesia

Compareci a uma oficina de poesia.

Os poetas começaram a pegar penas e vestir gravata borboleta. Eu estava lá de aluna ouvinte, por isso me vendaram os olhos e taparam minha boca com fita adesiva. Cheirar podia. A sala tinha cheiro de perfume de mulher bonita. Mas daquela mulher que faz comida gostosa, que come manga sentada no portão, que tem sorriso branco e tranquilo. Aquele cheiro era tão gostoso.

Na oficina todos tinham olhos coloridos. Com duas ou mais cores. Era requisito básico. Eu mesma, para entrar, tive que arregalar bem os olhos e me fazer de vesga (para eles conseguirem ver os cantinhos da minha íris).

Aqueles poetas trabalhavam muitíssimo. Uns ficavam horas olhando para um passarinho, outros concentrados em seu amor platônico. O mais incrível era quando nascia uma poesia em voz alta: eles se levantavam de súbito em reverência à Inspiração. Eles achavam que a Inspiração vinha do Deus, então se punham de pé, como que em louvor.

Há casos de pessoas que escreveram um só verso em quarenta anos, mas todos os dias se erguiam eretos em reverência, pois sempre se sentiam poemando. Pois sempre se sentiam em Deus.

Era comum que eles contassem piadas, era comum que eles se abraçassem chorando. Eu achei esquisito que usassem bermudas e gravatas. Mas me explicaram que era apenas uma questão de estilo e que já houve épocas que eles usassem blusões floridos ou ternos.

Depois de acabada a oficina, perguntei como fazia para me inscrever e ser perene com eles, no que um ancião me respondeu:
- Para ser poeta devemos estar em todos os tempos. Escrever para o sempre. É proibido viver em futuro do nosso passado. Devemos abandonar nossas glórias e vergonhas, devemos nos despir. Inventar. Delirar. Saborear. E quando se der do poema brotar quente em nossas mãos, levantar-se submisso.

Perguntei porque eles não se prostravam, se não seria mais adequado do que ficar de pé, mas um jovem poeta disse:
- Menina, quando ficamos de pé diante de Deus, imenso como ele é atestamos: somos pequenos, nosso corpo é miúdo, nossa alma restrita. E Deus gigante nos beija a face com amor.

Um senhor disse:
- Cada poesia que goteja no mundo é o amor de Deus que transbordou de si mesmo.

Apressada, eu falei para eles:
- Quero ser poeta.

E assim me responderam:
- Então, coloque-se de pé, eis que agora você se nasceu poesia.