5.10.09

Curso de poesia

Compareci a uma oficina de poesia.

Os poetas começaram a pegar penas e vestir gravata borboleta. Eu estava lá de aluna ouvinte, por isso me vendaram os olhos e taparam minha boca com fita adesiva. Cheirar podia. A sala tinha cheiro de perfume de mulher bonita. Mas daquela mulher que faz comida gostosa, que come manga sentada no portão, que tem sorriso branco e tranquilo. Aquele cheiro era tão gostoso.

Na oficina todos tinham olhos coloridos. Com duas ou mais cores. Era requisito básico. Eu mesma, para entrar, tive que arregalar bem os olhos e me fazer de vesga (para eles conseguirem ver os cantinhos da minha íris).

Aqueles poetas trabalhavam muitíssimo. Uns ficavam horas olhando para um passarinho, outros concentrados em seu amor platônico. O mais incrível era quando nascia uma poesia em voz alta: eles se levantavam de súbito em reverência à Inspiração. Eles achavam que a Inspiração vinha do Deus, então se punham de pé, como que em louvor.

Há casos de pessoas que escreveram um só verso em quarenta anos, mas todos os dias se erguiam eretos em reverência, pois sempre se sentiam poemando. Pois sempre se sentiam em Deus.

Era comum que eles contassem piadas, era comum que eles se abraçassem chorando. Eu achei esquisito que usassem bermudas e gravatas. Mas me explicaram que era apenas uma questão de estilo e que já houve épocas que eles usassem blusões floridos ou ternos.

Depois de acabada a oficina, perguntei como fazia para me inscrever e ser perene com eles, no que um ancião me respondeu:
- Para ser poeta devemos estar em todos os tempos. Escrever para o sempre. É proibido viver em futuro do nosso passado. Devemos abandonar nossas glórias e vergonhas, devemos nos despir. Inventar. Delirar. Saborear. E quando se der do poema brotar quente em nossas mãos, levantar-se submisso.

Perguntei porque eles não se prostravam, se não seria mais adequado do que ficar de pé, mas um jovem poeta disse:
- Menina, quando ficamos de pé diante de Deus, imenso como ele é atestamos: somos pequenos, nosso corpo é miúdo, nossa alma restrita. E Deus gigante nos beija a face com amor.

Um senhor disse:
- Cada poesia que goteja no mundo é o amor de Deus que transbordou de si mesmo.

Apressada, eu falei para eles:
- Quero ser poeta.

E assim me responderam:
- Então, coloque-se de pé, eis que agora você se nasceu poesia.

3 comentários:

Miguel Del Castillo disse...

me arrepiei todo. Que coisa bonita, Vivi. Me levanto junto com vc.

Unknown disse...

Vivi, você já é poeta. Assim Deus te fez. Que lindo o seu texto-poesia. Me levanto também e aplaudo!
Beijos!!!!

Paty disse...

que lindo!