É uma espécie de moer de ventos, não acha?
Sim, penso que é como se os pulsos de transportassem mutuamente e ficássemos rarefeitos.
É isso o amor, Dorinha?
Não sei Arlindo, às vezes percebo que o amor é como o teto visto do chão.
E como é?
Arlindo. Do chão vemos quão distantes estão os tetos. O teto para os que se deitam é como a parte de dentro do cume. É o interior do ponto mais alto. O amor é isso, meu bem, é ver de dentro nossas alturas.
E o que se vê de lá?
Sempre se vê o que os olhos mostrarem. Antes de dormir, no silêncio da casa morta, me arrumo no chão, como quem é macia para as pedras e não se arranha em nada que risque. E assim, maleável e morna, rodo meu corpo, barriga apontada para o céu, olhos na parede de cima. O amor, Arlindo, é a parede que nos cobre.
Nos cobre da chuva e das estrelas.
Exatamente, é pela mesma proteção que abrimos mão de brilhos dos universos.
E vale a pena, Dorinha?
Meu querido Arlindo, se não são as estrelas do peito as que reluzem mais e os passos que nos conduzem para o abismo aqueles em que há mais vida. A vida é um puxar de cordas: puxamos profundezas, nos suspendemos a nós mesmos.
O que há de ser de nós, Dorinha? Temos um amor tão forte que ultrapassa nossas realidades.
O que há de ser de nós, Arlindo? Somos tão felizes que sobejaremos eternamente.
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8.8.09
23.7.09
ração: parte de tudo
“Mas que até razoável tem limite?”. “Eita!”. “Mas se é razoável pronto está sempre.”
Como narrador fiel, transmitirei o pensamento bruto, daquilo que ela dialogava em seu monólogo: “se razoável é coisa boa e equilibrada não deveria de ter limite. e se me dizem que nada demais é bom, digo logo: hipócrita. ser feliz ilimitadamente é crueldade? deve por algum acaso ser evitado? certo que não. parando de despistar, engatinho para o bucho desse raciocínio. a razão precisa de um limite e não o razoável. isso que cabe na compreensão. razoável é a razão fazendo ponderação, se esforçando ao máximo para minimizar equívocos. razoável é fugidor do erro ou enfrentante, se preferir. na medida que:
ou foge carregando o que é importante, faz uma trouxa nas costas e se afasta correndo para que o deslize não tropece no cidadão protegido ou saca uma espada e lança a trouxa para trás de si, impedindo o ferimento do protegido cidadão. fugido-corrido ou parado-espadado é situação de valentia. razoável é questão corajosa e a razão fica boba boba por ter esse atributo. só que o erro sempre beija a face dos humanos. o que demonstra a simplicidade da ruína dos conceitos. a verdade vitoriana é que em alguns momentos o erro será uma etapa e não se deve abortar o processo por conta disso. e se aprende a desequivocar-se. é normal. então é que o cidadão protegido vitoriano é aquele que pega no ombro do razoável, inclina a fronte para dizer: quero tentar, razão. e finca limites do suposto razoável. assim cabe na imaginação e se entende melhor.”
Como narrador fiel, transmitirei o pensamento bruto, daquilo que ela dialogava em seu monólogo: “se razoável é coisa boa e equilibrada não deveria de ter limite. e se me dizem que nada demais é bom, digo logo: hipócrita. ser feliz ilimitadamente é crueldade? deve por algum acaso ser evitado? certo que não. parando de despistar, engatinho para o bucho desse raciocínio. a razão precisa de um limite e não o razoável. isso que cabe na compreensão. razoável é a razão fazendo ponderação, se esforçando ao máximo para minimizar equívocos. razoável é fugidor do erro ou enfrentante, se preferir. na medida que:
ou foge carregando o que é importante, faz uma trouxa nas costas e se afasta correndo para que o deslize não tropece no cidadão protegido ou saca uma espada e lança a trouxa para trás de si, impedindo o ferimento do protegido cidadão. fugido-corrido ou parado-espadado é situação de valentia. razoável é questão corajosa e a razão fica boba boba por ter esse atributo. só que o erro sempre beija a face dos humanos. o que demonstra a simplicidade da ruína dos conceitos. a verdade vitoriana é que em alguns momentos o erro será uma etapa e não se deve abortar o processo por conta disso. e se aprende a desequivocar-se. é normal. então é que o cidadão protegido vitoriano é aquele que pega no ombro do razoável, inclina a fronte para dizer: quero tentar, razão. e finca limites do suposto razoável. assim cabe na imaginação e se entende melhor.”
Pedaço de um todo
O que Arlindo bem sabia era que Dorinha era a paixão da vida pequena dele. Era a pureza dele e ele que não era mau moço que era tipo de gente desejante ável por muitas. Ele parou com o mundo e tudo e ficou perambulando pela vida todo cheio de ramos de esperança, sem saber onde plantar ele sabia era que Dorinha que não o queria e sofria por isso.
Não entendia mais porque se lavavam roupas ou porque persistiam as meias. Se não podia ter Dorinha. Se não podia pegar suas mãos envolver seu rosto com vocábulos de carícias. Ele compôs canções esqueceu de ser homem prático e vivia agora com poemas os escrevia nos muros da sua cidadela. Nos campos o que via era o serenar do vasto e isso dava um cansaço tal que se sentava no meio do trânsito de seus sentimentos. Sentia-se frágil e vulnerável. Aquela mulher tão vivente lhe arregaçara a vida, alargara suas mangas e agora estava frouxo de si mesmo.
Não entendia mais porque se lavavam roupas ou porque persistiam as meias. Se não podia ter Dorinha. Se não podia pegar suas mãos envolver seu rosto com vocábulos de carícias. Ele compôs canções esqueceu de ser homem prático e vivia agora com poemas os escrevia nos muros da sua cidadela. Nos campos o que via era o serenar do vasto e isso dava um cansaço tal que se sentava no meio do trânsito de seus sentimentos. Sentia-se frágil e vulnerável. Aquela mulher tão vivente lhe arregaçara a vida, alargara suas mangas e agora estava frouxo de si mesmo.
18.7.09
Dorinha (vem)
A vida, Dorinha
Senti necessário um narrador em terceira pessoa. Alguém para acompanhá-la nessa saga, nessa tristezinha que você está. E como você, Dorinha, começou falando sobre conceitos, preceitos e conclusões, faço o mesmo para não lhe surrupiar o estilo. Venha comigo Dorinha, que hei de dar-lhe um final feliz.
Dorinha pensava muito e sempre que pensava inventava umas firulas para sua existência. Dorinha não parava de entender o que era vida e, nessa etapa, percebeu o quão importante foi refletir sobre os tempos verbais (presente, passado e futuro). Digo tempos verbais, porque, ainda que não percebesse, Dorinha era extremamente gramatical. Pensava em letras e se apegava a um pedaço de papel mais do que a ouro e a diamantes. Pensando, pensava Dorinha que letras são jóias que acabam morando dentro de nós.
Por isso, ao pensar nos tempos -ditos verbais- concluiu quase que espontaneamente o que vem a ser a vida. A vida, ela dizia em sua meditação, é o que acontece entre o futuro e o passado. A vida não é o agora, porque agora é instantâneo. A vida é uma linha contínua de agoras, um período, um pedaço de tempo fluido que transita entre o mistério do que será e o conhecimento do que já foi. Isso é a vida.
Dorinha sentiu-se feliz. Pois, pela primeira vez, sentiu-se livre do tempo. Agarrou-se a vida sem nomenclaturas. Um alegria tão calma, ficou mansa e adormeceu. A Dorinha, nossa mosquinha.
Isadora sonhou depois de muitas e muitas noites sem dormir. E isso lhe deu um prazer tão cru, que interrompia-se no próprio sonho na afobação do que acontecia. Era coisa de estória simples, daquelas que continuamos em um filme eterno e esquisito. Fato é que sonhava e era o bastante, pelo menos por hora.
Foi ligeiramente desagradável quando surgiu um pretendente antigo, ali, no meio da cena. O problema era que o tal insistia em participar, embora a menina o afastasse. Ele vinha cheio de olhos e de face. Dorinha se lembrou do ritmo dele, do tipo de movimento que ele tinha. Seu nariz era particularmente bonito. Assim, acabou-se a festa: a realidade chegou rendendo a todos e tiveram que entregar a fantasia. Acordou-se querendo dormir.
A garota - chamo assim porque já sou narrador mais antigo-, a garota percebeu que nem em mundos inventados conseguia a paz de um amor tranquilo. Ficou enraivecida, como era de se esperar. Fazia um frio ensolarado nesse dia, pelo que pegou um agasalho modesto e saiu-se para passear. Escolheu um parque daqueles com árvores quietas e abundantes. Sentou no banco e inutilmente teve esperança. Depois de alguns minutos já estava como um ramo que quebra e fica pendurado ao caule, como se vivo estivesse, morto que está. Vivia assim, Isadora.
Daqui para frente chamarei de Isadora, por questão de respeito puro. Aquela linda criatura feita de gente. Isadora estava cheia de areia por todos os lados, o deserto lhe cobriu e ela serviu de monte, de trecho igual. Coitada, tão alheia a ela mesma, tão só de si.
A Isadora queria esparramar, mas virou-se gota de novo. O final feliz que lhe proporciono é o que os velhos e sábios dariam. Achar nesse agora esticado que é a vida algo que não a compensação da felicidade. Como narrador onipotente, instauro em Isadora um esquecimento total de seus sonhos impronunciáveis.
Isadora notou-se diferente. Havia uma leveza tão particular tão boa. Alívio. E se deu conta que seus sonhos haviam sumido. Sem desespero. Alívio. Para mostrar que alguns ideais devem ser abandonados, Isadora vestiu-se de flor e desabrochou. Silente, intrinsecamente.
O narrador e a Isadora concluíram que soluções das mais diversas são possíveis. Conceberam que nem sempre o que dói é o pior. Que há sonhos podres e é preciso limpar-se.
Senti necessário um narrador em terceira pessoa. Alguém para acompanhá-la nessa saga, nessa tristezinha que você está. E como você, Dorinha, começou falando sobre conceitos, preceitos e conclusões, faço o mesmo para não lhe surrupiar o estilo. Venha comigo Dorinha, que hei de dar-lhe um final feliz.
Dorinha pensava muito e sempre que pensava inventava umas firulas para sua existência. Dorinha não parava de entender o que era vida e, nessa etapa, percebeu o quão importante foi refletir sobre os tempos verbais (presente, passado e futuro). Digo tempos verbais, porque, ainda que não percebesse, Dorinha era extremamente gramatical. Pensava em letras e se apegava a um pedaço de papel mais do que a ouro e a diamantes. Pensando, pensava Dorinha que letras são jóias que acabam morando dentro de nós.
Por isso, ao pensar nos tempos -ditos verbais- concluiu quase que espontaneamente o que vem a ser a vida. A vida, ela dizia em sua meditação, é o que acontece entre o futuro e o passado. A vida não é o agora, porque agora é instantâneo. A vida é uma linha contínua de agoras, um período, um pedaço de tempo fluido que transita entre o mistério do que será e o conhecimento do que já foi. Isso é a vida.
Dorinha sentiu-se feliz. Pois, pela primeira vez, sentiu-se livre do tempo. Agarrou-se a vida sem nomenclaturas. Um alegria tão calma, ficou mansa e adormeceu. A Dorinha, nossa mosquinha.
Isadora sonhou depois de muitas e muitas noites sem dormir. E isso lhe deu um prazer tão cru, que interrompia-se no próprio sonho na afobação do que acontecia. Era coisa de estória simples, daquelas que continuamos em um filme eterno e esquisito. Fato é que sonhava e era o bastante, pelo menos por hora.
Foi ligeiramente desagradável quando surgiu um pretendente antigo, ali, no meio da cena. O problema era que o tal insistia em participar, embora a menina o afastasse. Ele vinha cheio de olhos e de face. Dorinha se lembrou do ritmo dele, do tipo de movimento que ele tinha. Seu nariz era particularmente bonito. Assim, acabou-se a festa: a realidade chegou rendendo a todos e tiveram que entregar a fantasia. Acordou-se querendo dormir.
A garota - chamo assim porque já sou narrador mais antigo-, a garota percebeu que nem em mundos inventados conseguia a paz de um amor tranquilo. Ficou enraivecida, como era de se esperar. Fazia um frio ensolarado nesse dia, pelo que pegou um agasalho modesto e saiu-se para passear. Escolheu um parque daqueles com árvores quietas e abundantes. Sentou no banco e inutilmente teve esperança. Depois de alguns minutos já estava como um ramo que quebra e fica pendurado ao caule, como se vivo estivesse, morto que está. Vivia assim, Isadora.
Daqui para frente chamarei de Isadora, por questão de respeito puro. Aquela linda criatura feita de gente. Isadora estava cheia de areia por todos os lados, o deserto lhe cobriu e ela serviu de monte, de trecho igual. Coitada, tão alheia a ela mesma, tão só de si.
A Isadora queria esparramar, mas virou-se gota de novo. O final feliz que lhe proporciono é o que os velhos e sábios dariam. Achar nesse agora esticado que é a vida algo que não a compensação da felicidade. Como narrador onipotente, instauro em Isadora um esquecimento total de seus sonhos impronunciáveis.
Isadora notou-se diferente. Havia uma leveza tão particular tão boa. Alívio. E se deu conta que seus sonhos haviam sumido. Sem desespero. Alívio. Para mostrar que alguns ideais devem ser abandonados, Isadora vestiu-se de flor e desabrochou. Silente, intrinsecamente.
O narrador e a Isadora concluíram que soluções das mais diversas são possíveis. Conceberam que nem sempre o que dói é o pior. Que há sonhos podres e é preciso limpar-se.
15.7.09
Dorinha
Outro dia estive pensando: que é o futuro senão pingo caído no chão? Pingo de chuva morto no chão, vem do céu cai na terra, vira lama. Futuro é isso, não se engane. Em algum lugar o ‘agora’ se chama ‘tempo real’, e todos querem. O tempo real. E o que é o passado então? Tempo ficto. Deve de ser. Deve de ser. E com caraminholas na cabeça, não me sai dos pensamentos que o presente para mim é o mais utópico, é sensacionalismo, fantástico em demasia. Não gosto de viver de futuro, porque esse inventar me cansa, são tantos caminhos e sóis. Gosto de beber do passado, rememorado e findo. Refaço notícias gordas e frescas. É o que gosto. O passado me alimenta e se projeta em meus olhos, vejo tudo medieval, meus vestidos se alongam e rendas brotam em meu colo. Gosto dessa nostalgia inventada, de fazer do mesmo fato milhões de estórias. Reler e reler, sem se prender ao verdadeiro.
Melhor que o futuro, amigo do agora, cheio de surpresas nefastas, impregnado de acontecimentos podres. Não tenho fé no futuro, nem esperança no agora, o que me encanta é o passado. Arrasto-me sobre ele e absorvo seu cheiro de flor ida. Desde muito vivo sepultada, morreram e com eles me faleci.
Estava caminhando nas minhas próprias casas e senti um pingo de chuva cair em mim. Pode isso? A chuva perseguir os reclusos? Senti-me intimidada pelos céus, lotados de nuvens molhadas. Vez por outra, me pego andando pela rua e sendo gotejada, pingo único só para mim, demonstrativo de que não existem tetos: somente céus e infernos.
Isadora é nome meu. Nome de dor poderosa. O mundo sente-sabe quando nasce uma fagulha de destroço, nasci-me, desde pequena nasço sempre. Já fui de todo jeito, já comi todo tipo de comida. Meus olhos que continuam mesmando e meu cabelo que continua em fios. De resto sou outra mulher. Dorinha que me chamam e eu atendo. Não sei porque sabem meu nome, quisera eu que se emudecessem ou que meus ouvidos se fechassem. Seria meu descanso, meu milagre.
Sempre esse abandono velado. Toda vez em prontidão, esperando quem me espanque. Dorinha, dizem, você é uma flor amarela pequena e pura. Dorinha, exalam, seu cheiro é bom e sua pele macia. Dorinha, pedem, deixe de estar e venha para eu ter. Dorinha, mentem, nada de mal lhe acontecerá.
Usam o diminutivo para aumentar minha vontade, vou-me rasteirinha, regando-me toda e inventando canções de amor. Trabalho por horas a fio, engulo arco-íris sem fim. Observo o dourado da palha. Recito minha crença antiga: existe o amor, existe amém.
Dorinha, explicam, tenha paciência comigo. Dorinha, calam. Dorinha, massageiam, você é mais bela que o som. Dorinha, concluem, vá embora tenho medo de amar. Abrupta socorro-me lentamente, pego minha crença mendiga, pedaço de papel desvantajoso, a guardo dentro da blusa, colada no peito, no quente do corpo. Com esperanças de que se transforme em viva com o calor do que me falta.
Por isso me apego ao passado, me aquietam os desastres já conhecidos, aquilo que já foi mastigado. Quando futuro, se rasgam os emblemas, fico sem escudos ou origens. Dorinha é que me falam, sou diminutivo de sofrimento simples. Pereço boba como uma mosca, mas brilho como uma estrela.
Esse é o meu lamurio, enfim, confundo a todos com uma realeza típica e inacreditável. De repente viro castelo, com flechas, armaduras, estalagens. Sem entender porque me fazem assim. Não há batalhas, grito afônica, sou imponente: mas também sou refúgio. A arma que fere também serve para defender. O muro que separa também ajuda a permanecer unido. A porta que fecha, encerra coisas valiosas. Nessa hora, meu nome vem completo de Isadora e se esquecem que sou mais borboleta do que princesa, vão destroçando tudo com demonstrações extraordinárias. Penso que sou Dorinha só para o que dói, para carinho miúdo e bom sou Isadora a deusa. Mosca-estrela, como sempre se diz.
Seguro firme minha crença imunda, devoro-a: fico grávida do que nunca será.
existe o amor, existe amém.
Melhor que o futuro, amigo do agora, cheio de surpresas nefastas, impregnado de acontecimentos podres. Não tenho fé no futuro, nem esperança no agora, o que me encanta é o passado. Arrasto-me sobre ele e absorvo seu cheiro de flor ida. Desde muito vivo sepultada, morreram e com eles me faleci.
Estava caminhando nas minhas próprias casas e senti um pingo de chuva cair em mim. Pode isso? A chuva perseguir os reclusos? Senti-me intimidada pelos céus, lotados de nuvens molhadas. Vez por outra, me pego andando pela rua e sendo gotejada, pingo único só para mim, demonstrativo de que não existem tetos: somente céus e infernos.
Isadora é nome meu. Nome de dor poderosa. O mundo sente-sabe quando nasce uma fagulha de destroço, nasci-me, desde pequena nasço sempre. Já fui de todo jeito, já comi todo tipo de comida. Meus olhos que continuam mesmando e meu cabelo que continua em fios. De resto sou outra mulher. Dorinha que me chamam e eu atendo. Não sei porque sabem meu nome, quisera eu que se emudecessem ou que meus ouvidos se fechassem. Seria meu descanso, meu milagre.
Sempre esse abandono velado. Toda vez em prontidão, esperando quem me espanque. Dorinha, dizem, você é uma flor amarela pequena e pura. Dorinha, exalam, seu cheiro é bom e sua pele macia. Dorinha, pedem, deixe de estar e venha para eu ter. Dorinha, mentem, nada de mal lhe acontecerá.
Usam o diminutivo para aumentar minha vontade, vou-me rasteirinha, regando-me toda e inventando canções de amor. Trabalho por horas a fio, engulo arco-íris sem fim. Observo o dourado da palha. Recito minha crença antiga: existe o amor, existe amém.
Dorinha, explicam, tenha paciência comigo. Dorinha, calam. Dorinha, massageiam, você é mais bela que o som. Dorinha, concluem, vá embora tenho medo de amar. Abrupta socorro-me lentamente, pego minha crença mendiga, pedaço de papel desvantajoso, a guardo dentro da blusa, colada no peito, no quente do corpo. Com esperanças de que se transforme em viva com o calor do que me falta.
Por isso me apego ao passado, me aquietam os desastres já conhecidos, aquilo que já foi mastigado. Quando futuro, se rasgam os emblemas, fico sem escudos ou origens. Dorinha é que me falam, sou diminutivo de sofrimento simples. Pereço boba como uma mosca, mas brilho como uma estrela.
Esse é o meu lamurio, enfim, confundo a todos com uma realeza típica e inacreditável. De repente viro castelo, com flechas, armaduras, estalagens. Sem entender porque me fazem assim. Não há batalhas, grito afônica, sou imponente: mas também sou refúgio. A arma que fere também serve para defender. O muro que separa também ajuda a permanecer unido. A porta que fecha, encerra coisas valiosas. Nessa hora, meu nome vem completo de Isadora e se esquecem que sou mais borboleta do que princesa, vão destroçando tudo com demonstrações extraordinárias. Penso que sou Dorinha só para o que dói, para carinho miúdo e bom sou Isadora a deusa. Mosca-estrela, como sempre se diz.
Seguro firme minha crença imunda, devoro-a: fico grávida do que nunca será.
existe o amor, existe amém.
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