Era uma vez uma menina que se chamava Dona-quer-saber. Dona-quer-saber é muito bonitinha, tem o cabelo bem enrolado, daqueles que sugerem: tôim e nós, bobos, louvamos: nhôim. Tôim nhôim nhôim e o cabelo dela vai fazendo.
A menina Dona andava meio engraçado, sabe? Parece que ela dava um jeitinho de levitar, de tão macios que eram seus passos, mal deixava pegadas. Você não imagina como eram os olhinhos da garota! Eles eram redondos e enooooooooormes, de uma cor meio verde meio mel. Uma delícia.
A senhorita Dona dona, bem queria saber de uma coisa - e nisso eu queria que você me ajudasse, caso tivesse algum palpite. Ouça bem a seguinte estória:
A dona dona, dona, dona. Então, a senhoritazinha estava querendo descobrir de quem Mário gostava e ficava quebrando a cabeça, dia e noite, noite, tarde e madrugada. Pensando, pensando.
"De quem Mário gosta?"
Talvez você vá logo dizendo apressado: "Mas que fofoqueira!". Não é nada disso, é porque a mocinha não era uma boa entendedora de corações e ficava toda confusa. Na verdade, Quer-saber queria descobrir-se objeto do amor de Mário. Porque já estava decidida de que se Mário gostasse dela, ela também gostaria dele.
Só que nada, nem uma pistazinha. Coitadinha dela, pensava no Mário até quando escovava dentes, e nada. Não conseguia descobrir. Perguntar a ele? Não!
Dona-quer-amor tinha duas opções:
1. Mário estava apaixonado por uma rapariga qualquer, que ela nem conhecia e provavelmente era um banguela cheia de perebas na cara.
2. Ele estava loucamente apaixonado por ela, só que ele não conseguia dizer isso, pois temia que ela não o amasse. Só que não sabia que ela tinha uma pré-disposição para amá-lo muito, desde que o viu. Só que não podia. Só que sem saber disso ele ficou quieto. Só que esse silêncio e esse tempo de quietude só fez tudo ficar bagunçado nas vidas. Só que tudo ia se resolver.
Não pensou em mais nenhum caminho possível, descartou logo as suposições que envolviam alienígenas.
Ai ai. Carrapato não tem pai. Olha, ninguém sabe o que passa por dentro dos olhos dos outros. Vai ver a menina era a flor mais colorida de Mário. Vai ver ele guardou em segredo esse imenso amor. Vai ver, ah, vai ver ele olha pro mar e lembra dela. Recita poemas pensando em seus cachinhos. Vai ver eles serão felizes para sempre.
Dona-quer-saber, quem saberia lhe responder?
Será o tempo?
Eu aposto minhas meias vermelhas que não, que isso chegará por boca mesmo, boca de gente. Com notícias de campo, da donzela banguela ou da Doninha habitante do peito de Mário.
Era isso o que tinha pra contar. Agora que já terminei de falar os fatos e relatos, vou para minha sugestão de final.
Dona-flor-que-Mário-quer em uma dia de verão com a lua bem cintilante. Digo dia, mas já era de noite (achei melhor explicar os detalhes). Dona-etc-etc, encontra-se com Mário, sem querer-querendo muito. Resumindo: A garota saiu de noite pra bater perna e paf! deu de cara com o dito cujo.
Prepare-se, é romântico.
Olha, aí. Mário olhou para a Quero-quero e ficou deslumbrado e nem esperou ela piscar ou coçar bochechas, por exemplo, não. Ele foi logo olhando bem dentro do globo ocular dela e dizendo: “ó, criatura lindorosa, eu sou caidinho por você, não sei como não percebeu antes”. A Dona-quer exclamou: “ih, criatura divina, eu sou distraída mesmo, mas adorei saber dessa novidade”.
E assim, com a maestria celestial de corações transbordantes, comeram pipoca e deram as mãos. As bocas, essas coisas de namorico, ninguém precisa ficar explicando.
Fim!
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2.9.09
9.7.09
Oposto
Conheço uma árvore que nasceu nas costas de um viaduto
Uma flor que mora na barriga de um prédio
Uma pessoa que se estabelece no lixo
Quatro peixes que pairam num papel
Sei de olhos que engoliram uma boca
mãos que andaram nos pés
línguas que conduziram ventanias
Loucura espetada no Globo
Incoerência salpicada em todos
Lugares vazios
Onde não caiba mais nada
Igrejas sem Deus
Vida mortificante
Como?
Como. Me lambuzo e fico cheia de um mundo eternamente impúbere
nunca pronto
Gero esperanças cuidadosas
feito riso de gengiva
aberto e rosa
Uma flor que mora na barriga de um prédio
Uma pessoa que se estabelece no lixo
Quatro peixes que pairam num papel
Sei de olhos que engoliram uma boca
mãos que andaram nos pés
línguas que conduziram ventanias
Loucura espetada no Globo
Incoerência salpicada em todos
Lugares vazios
Onde não caiba mais nada
Igrejas sem Deus
Vida mortificante
Como?
Como. Me lambuzo e fico cheia de um mundo eternamente impúbere
nunca pronto
Gero esperanças cuidadosas
feito riso de gengiva
aberto e rosa
1.7.09
Benesses do rei
Adroaldo é tão querido
Mas vamos segredar suas benesses
Matá-lo de felicidade
Enchê-lo de alegria
Plano mais vil e malévolo
amar para o sorriso do outro
Vontade de rodar o mundo, a roda, a perna
Rodar e gerar fantasia de outros mundos
Inventar reinos eternos. Personagens bondosos
Glórias vindouras
Rodar até a realidade cair e só restar a boa utopia
O amor é utopia que se pega, que se cheira,
que se ama. Que se basta, que se roda, que ele
va a estatura Dói a nuca, roda o peito
Fantasia, outro mundo. Que saudade,
dolorida, ai que vida! Mas que morte, que
loucura, fantasia: olha o rei. Olha o rio!
Ventania. Olha a luz. Que paz d o u r a d a
Ondas ao céu, roda no alto
Gira meu leito, gira o braço, maçaneta
Que lei é esta?
Roda de novo e vem pra perto
Vem pra perto, roda comigo, para sempre.
Fantasia
Mas vamos segredar suas benesses
Matá-lo de felicidade
Enchê-lo de alegria
Plano mais vil e malévolo
amar para o sorriso do outro
Vontade de rodar o mundo, a roda, a perna
Rodar e gerar fantasia de outros mundos
Inventar reinos eternos. Personagens bondosos
Glórias vindouras
Rodar até a realidade cair e só restar a boa utopia
O amor é utopia que se pega, que se cheira,
que se ama. Que se basta, que se roda, que ele
va a estatura Dói a nuca, roda o peito
Fantasia, outro mundo. Que saudade,
dolorida, ai que vida! Mas que morte, que
loucura, fantasia: olha o rei. Olha o rio!
Ventania. Olha a luz. Que paz d o u r a d a
Ondas ao céu, roda no alto
Gira meu leito, gira o braço, maçaneta
Que lei é esta?
Roda de novo e vem pra perto
Vem pra perto, roda comigo, para sempre.
Fantasia
24.4.09
Grude
No dia em que se morre a desgraça, há um lamúrio de tristeza. Todos os pensamentos exitam em afobar-se. Até o coração trocar seus trajes, demora. Muito tempo até que se reacendam os olhos. Acostumados com a marcha fúnebre de mortes alheias.
Ontem apunhalei meia dúzia de desesperanças. Suei, sujei-me com seus dejetos.
Olhei para o pessimismo restante, ameacei-o.
Bradei dentro do meu peito: "venha e lhe mato de alegria".
Quando morre algum sonho em mim, eu enterro. Rego e espero nascer a árvore. E assim, ainda morto, me serve de alimento.
Quando sou quem morre, espero pela minha ressurreição. Afoita, revivo, renasço.
Compactuei com Deus que seremos felizes ainda que a felicidade fuja. Não nos amofinaremos por esperar boas circunstâncias. Combinamos de navegar juntos. E é tanto céu que existe nEle, que morro de eternidade.
Assusta demais. Sorriso fácil. Gargalhadas esparramadas pelo mundo.
Quase libertino. Quase infame.
Se pactos pudessem ser quebrados. Se não tivesse sangue envolvido no negócio. Se o contrato não fosse tão vinculante. Até que eu tentaria. Me apegar ao desespero, ensaiar cenas deselegantes.
Porém, é caso perdido. É assunto encerrado: a paz grudou em mim e agora vivo embebida em bondade.
Ontem apunhalei meia dúzia de desesperanças. Suei, sujei-me com seus dejetos.
Olhei para o pessimismo restante, ameacei-o.
Bradei dentro do meu peito: "venha e lhe mato de alegria".
Quando morre algum sonho em mim, eu enterro. Rego e espero nascer a árvore. E assim, ainda morto, me serve de alimento.
Quando sou quem morre, espero pela minha ressurreição. Afoita, revivo, renasço.
Compactuei com Deus que seremos felizes ainda que a felicidade fuja. Não nos amofinaremos por esperar boas circunstâncias. Combinamos de navegar juntos. E é tanto céu que existe nEle, que morro de eternidade.
Assusta demais. Sorriso fácil. Gargalhadas esparramadas pelo mundo.
Quase libertino. Quase infame.
Se pactos pudessem ser quebrados. Se não tivesse sangue envolvido no negócio. Se o contrato não fosse tão vinculante. Até que eu tentaria. Me apegar ao desespero, ensaiar cenas deselegantes.
Porém, é caso perdido. É assunto encerrado: a paz grudou em mim e agora vivo embebida em bondade.
20.4.09
O conto do amor arruinado
Minhas pernas se puseram a andar por entre meus pensamentos. Subitamente percebi um caminho de dor e tristeza, segui-o. Eis que foi cheio de temor que trilhei o primeiro trecho. Depois, a idéia de que era esse o meu destino me assaltou e levou consigo todo desespero.
Agora percebo que o caminho é infinito e a linha de chegada é o lugar de onde vim.
Fico com a resolução de mudar meu passado errante, um passatempo mental de ser feliz.
Agora, mais um vez, agora conto meu conto.
Arruinado pelo amor, por certo que foi.
Imagine você os olhos onde se plantam bananeiras. Olhos cor de folha seca. Marrom-terra-folha-seca.
Imagine você que eles brilhem. Seria estarrecedor se não fosse enebriante. Talvez seja ambas as coisas. A imagem dos olhos, digo.
Os donos, os olhos, se alocaram num corpo. Corpo de Esméria. Admito que é com profundo pavor e depressão que escrevo. Não tenho saudades, só distância.
Esméria era má de tanto ser boa. Não era possível confiar nela. Boa não era, por certo. Era boa de tão má.
O mal se deu - vamos ao conto?!- quando percebi que Esméria comia esperança.
É boba a estória, só conto porque tudo aqui está perdido. É um conto fracassado.
Um dia, vi Esméria mastigando algo, algo que de doce tinha doçura. Ela mastigava o invisível e escorria riso por entre seus lábios.
Comecei a desconfiar da menina. Quem é que come uma coisa boa e finita...que faz isso: acaba com tudo de bom? Come a comida por mais que se acabe...e depois se ri?
Maldade.
Esméria comia palavras minhas, recitadas em frente ao seu nariz enquanto meus olhos fitavam sua boca. Conforme eu falava, Esméria repetia e as engolia. Depois se ria, risonha, feliz, trêmula. Escorria, escoava...rio no queixo, gotas no chão. Maldade.
Se quisesse palavras para engolir, que procurasse outro.
Foi inútil retroceder. Esméria deixou brotar o amor, engolido na terra do peito. Gerou as folhas, tronco. Os frutos.
Ela toda virou árvore. Suas pernas raízes.
Se Esméria quisesse. Maldade.
Era tão bonito ver Esméria. Sua paz tão notória.
Se quisesse, a tal da Esméria, ser feliz...que procurasse outro.
E assim que acaba o conto: Esméria morreu de saudade e eu prossegui meu caminho.
Agora percebo que o caminho é infinito e a linha de chegada é o lugar de onde vim.
Fico com a resolução de mudar meu passado errante, um passatempo mental de ser feliz.
Agora, mais um vez, agora conto meu conto.
Arruinado pelo amor, por certo que foi.
Imagine você os olhos onde se plantam bananeiras. Olhos cor de folha seca. Marrom-terra-folha-seca.
Imagine você que eles brilhem. Seria estarrecedor se não fosse enebriante. Talvez seja ambas as coisas. A imagem dos olhos, digo.
Os donos, os olhos, se alocaram num corpo. Corpo de Esméria. Admito que é com profundo pavor e depressão que escrevo. Não tenho saudades, só distância.
Esméria era má de tanto ser boa. Não era possível confiar nela. Boa não era, por certo. Era boa de tão má.
O mal se deu - vamos ao conto?!- quando percebi que Esméria comia esperança.
É boba a estória, só conto porque tudo aqui está perdido. É um conto fracassado.
Um dia, vi Esméria mastigando algo, algo que de doce tinha doçura. Ela mastigava o invisível e escorria riso por entre seus lábios.
Comecei a desconfiar da menina. Quem é que come uma coisa boa e finita...que faz isso: acaba com tudo de bom? Come a comida por mais que se acabe...e depois se ri?
Maldade.
Esméria comia palavras minhas, recitadas em frente ao seu nariz enquanto meus olhos fitavam sua boca. Conforme eu falava, Esméria repetia e as engolia. Depois se ria, risonha, feliz, trêmula. Escorria, escoava...rio no queixo, gotas no chão. Maldade.
Se quisesse palavras para engolir, que procurasse outro.
Foi inútil retroceder. Esméria deixou brotar o amor, engolido na terra do peito. Gerou as folhas, tronco. Os frutos.
Ela toda virou árvore. Suas pernas raízes.
Se Esméria quisesse. Maldade.
Era tão bonito ver Esméria. Sua paz tão notória.
Se quisesse, a tal da Esméria, ser feliz...que procurasse outro.
E assim que acaba o conto: Esméria morreu de saudade e eu prossegui meu caminho.
17.4.09
O Dia do Cospe Pérolas
Num mundo de monstros encantados, vi uma gaivota que cantava ao relento.
A gaivota sonhava ser peixe e o peixe sonhava ser mar. Nesse apego em sonhar ser o que não se é, os dias passavam límpidos. Dia após dia desastres impressionantes.
Nunca esquecerei do "Dia do cospe pérolas". Foi o dia em que conchas guardiãs do tesouro se enjoaram com o balanço do mar e todas vomitaram. Pérolas e mais pérolas nadando pelos sete mares. Até surpreender-se era perigoso.
Conta-se que certa tartaruga, boquiaberta com a situação, acabou engolindo três pérolas e morreu. Entaladamente preciosa. Pobre ou rica, fato é que aquele casco não será mais habitado.
A maioria ficou com nojo. Vômito de conchas, todos entoavam.
Ninguém mergulhou por aqueles dias. Não havia quem achasse aquelas dádivas.
Minto, uma pessoa mergulhou. Um pescador velho e alcóolatra. Mas não conta porque não se conta os mortos dentre os vivos. O pescador mergulhou em alto-mar. Ao abrir os olhos e ver aquela corrente de pérolas, achou graça. Pensou que estava sonhando, puxou o ar pelas narinas. Três ou quatro redondinhas lhe entraram pelo nariz. Lá se foi. Entre o sonho, embriaguez e entupimento. Morreu feliz.
Fora ele, ninguém de humano soube do fenômeno.
As conchas, desprestigiadas e vazias, se abriram e abandoram a missão de ser par. Correram, nadaram e se lançaram na beira do mar.
Uma menina chamada Alice juntou oito baldes num só dia, produziu vários colares de concha e hoje vive num luxuoso hotel com a renda.
Curioso foi o fim das pérolas: cairam num abismo e o encheram até a boca. Os peixes as tratam como pedras e elas vivem a redondilhar.
São felizes e viverão para sempre no mar. Preenchedoras de abismos e matadoras de quem estranha essa história.
A gaivota sonhava ser peixe e o peixe sonhava ser mar. Nesse apego em sonhar ser o que não se é, os dias passavam límpidos. Dia após dia desastres impressionantes.
Nunca esquecerei do "Dia do cospe pérolas". Foi o dia em que conchas guardiãs do tesouro se enjoaram com o balanço do mar e todas vomitaram. Pérolas e mais pérolas nadando pelos sete mares. Até surpreender-se era perigoso.
Conta-se que certa tartaruga, boquiaberta com a situação, acabou engolindo três pérolas e morreu. Entaladamente preciosa. Pobre ou rica, fato é que aquele casco não será mais habitado.
A maioria ficou com nojo. Vômito de conchas, todos entoavam.
Ninguém mergulhou por aqueles dias. Não havia quem achasse aquelas dádivas.
Minto, uma pessoa mergulhou. Um pescador velho e alcóolatra. Mas não conta porque não se conta os mortos dentre os vivos. O pescador mergulhou em alto-mar. Ao abrir os olhos e ver aquela corrente de pérolas, achou graça. Pensou que estava sonhando, puxou o ar pelas narinas. Três ou quatro redondinhas lhe entraram pelo nariz. Lá se foi. Entre o sonho, embriaguez e entupimento. Morreu feliz.
Fora ele, ninguém de humano soube do fenômeno.
As conchas, desprestigiadas e vazias, se abriram e abandoram a missão de ser par. Correram, nadaram e se lançaram na beira do mar.
Uma menina chamada Alice juntou oito baldes num só dia, produziu vários colares de concha e hoje vive num luxuoso hotel com a renda.
Curioso foi o fim das pérolas: cairam num abismo e o encheram até a boca. Os peixes as tratam como pedras e elas vivem a redondilhar.
São felizes e viverão para sempre no mar. Preenchedoras de abismos e matadoras de quem estranha essa história.
9.4.09
Mortidão
A morte veio ter comigo. Aborrecida, mandei que tomasse conta da sua própria vida. A morte, coitada, sem saber como existir, arregalou os olhos e encolheu os ombros.
- E como? - a morte soou.
- Não sei bem. A gente vive sem saber como funciona. Uma espécie de amostra grátis por tempo indefinido.
- E se não gostar, tem como trocar? - a morte questionou.
- Tem não. Quer dizer, tem. Trocar não, mas tem como morrer.
- E só? - perguntou mortífera.
- Também é possível dar guinada.
- Como é guinada? - perguntou, perguntando a morte.
- Pintar cabelo, emagrecer. Correr, virar gostosa. Comprar roupa. Arrumar namorado careca e dizer que nunca esteve mais feliz.
- E serve para quê? - morte.
- Para os outros. Para esfregar vida na cara deles.
- E sobra algo para pessoa? - perguntou já se sabe quem.
- Contas, trabalho. Salto alto. Calo e peruca. Status!
- E status de quê?
- Status de quem vive.
A morte pensava que ninguém morria vivendo. Na verdade, ficou extasiada de felicidade, descobriu-se útil e presente na vida de tantos.
Morte amiga e cotidiana. Morte de todos os dias.
- E como? - a morte soou.
- Não sei bem. A gente vive sem saber como funciona. Uma espécie de amostra grátis por tempo indefinido.
- E se não gostar, tem como trocar? - a morte questionou.
- Tem não. Quer dizer, tem. Trocar não, mas tem como morrer.
- E só? - perguntou mortífera.
- Também é possível dar guinada.
- Como é guinada? - perguntou, perguntando a morte.
- Pintar cabelo, emagrecer. Correr, virar gostosa. Comprar roupa. Arrumar namorado careca e dizer que nunca esteve mais feliz.
- E serve para quê? - morte.
- Para os outros. Para esfregar vida na cara deles.
- E sobra algo para pessoa? - perguntou já se sabe quem.
- Contas, trabalho. Salto alto. Calo e peruca. Status!
- E status de quê?
- Status de quem vive.
A morte pensava que ninguém morria vivendo. Na verdade, ficou extasiada de felicidade, descobriu-se útil e presente na vida de tantos.
Morte amiga e cotidiana. Morte de todos os dias.
30.3.09
Pá, pá
Andando, virando mil rodas de estrelas e cânticos jubilosos.
Amor de névoas, de nuvens tão lindas
E é vento no rosto
pulo de leveza
E a gente corre, desconcerta e vive morrendo de vontade de ser
Mas ninguém sabe
Todos ignoram a vontade de transmutar-se para outro tipo de ser que possa explodir sempre que haja muito luto
E a gente luta, briga, anda por túneis, cava uma vida inteira
Faz coroa de pétalas
Nuveando
Matando nossas mortes diárias
Acreditando em amores vindouros perfeitos
Infundíveis com a tristeza
Fantasiados de delícias
Vestidos de doçura
Com voz macia e música pelos pêlos
Caminha, saltando, correndo, sorrindo por estar
E vai para um lado
joga para o outro
Balanço do som
Nublado, chuva, chuva
Medo, frio, escuro. Solidão. Vertigem
Sol, arco-íris
Beleza. Beleza
Alívio.
Tirando os agasalhos, o inverno passou, é tempo de flores
E eu vou, germinando no mundo
E eu canto
Eu luto por vidas alheias e minhas
E luto por sonhos tão puros e bons.
Sem que nada se perca
Sem que nada se esvazie. Sem que tudo me extrapole
Sem desistir de não caber no mundo
E eu ponho óculos pra ver o sol E escovo os dentes para comer pedras.
Nada se sabe.
Amor de névoas, de nuvens tão lindas
E é vento no rosto
pulo de leveza
E a gente corre, desconcerta e vive morrendo de vontade de ser
Mas ninguém sabe
Todos ignoram a vontade de transmutar-se para outro tipo de ser que possa explodir sempre que haja muito luto
E a gente luta, briga, anda por túneis, cava uma vida inteira
Faz coroa de pétalas
Nuveando
Matando nossas mortes diárias
Acreditando em amores vindouros perfeitos
Infundíveis com a tristeza
Fantasiados de delícias
Vestidos de doçura
Com voz macia e música pelos pêlos
Caminha, saltando, correndo, sorrindo por estar
E vai para um lado
joga para o outro
Balanço do som
Nublado, chuva, chuva
Medo, frio, escuro. Solidão. Vertigem
Sol, arco-íris
Beleza. Beleza
Alívio.
Tirando os agasalhos, o inverno passou, é tempo de flores
E eu vou, germinando no mundo
E eu canto
Eu luto por vidas alheias e minhas
E luto por sonhos tão puros e bons.
Sem que nada se perca
Sem que nada se esvazie. Sem que tudo me extrapole
Sem desistir de não caber no mundo
E eu ponho óculos pra ver o sol E escovo os dentes para comer pedras.
Nada se sabe.
11.2.09
Mar inundado
O dia em que o mar inundou, só o Deus do céu explica. Foi abundância para tudo que é lado. As rosas nasceram com quinhentas pétalas. O sorvete veio com quinze bolas. E cada pessoa dava dois sorrisos por vez.
O dia que o mar inundou foi uma aguaceira só.
Tudo no mundo ficou molhado:
os olhos;
saliva;
carga de caneta.
Os sentimentos ficaram liquefeitos e todos ficaram molengas. Quem tinha raiva, ficou com preguiça. Quem tinha aflição, ficou com tédio. Quem tinha paixão, ficou com vontade.
E assim passava o dia. Na inundação do mar.
Tudo se tornou beira, até que se tornasse fundo. As praias de cada um viraram oceano. Nem montanha virou ilha. Nem cume deu conta de ser tão alto.
Que dia!
Dentro das mãos das crianças cabiam rios inteiros.
E dentro da blusa dos outros brotavam corais.
Coisa esplêndida.
Aquele dia.
Tinha um murmurar de delírios doces. O amor incidiu graciosamente sobre a humanidade. A ponto dos cânticos serem a nova linguagem.
Homens viraram reis e mulheres rainhas, reinantes num reino de nuvens.
E tudo era verdade.
E tudo sossego.
Em tudo paz.
Afoguei-me de tanto mar. Só nesse dia morri seis vezes, queria, porém, ter vivido mais dez óbitos.
Pena, o dia acabou.
O dia que o mar inundou foi uma aguaceira só.
Tudo no mundo ficou molhado:
os olhos;
saliva;
carga de caneta.
Os sentimentos ficaram liquefeitos e todos ficaram molengas. Quem tinha raiva, ficou com preguiça. Quem tinha aflição, ficou com tédio. Quem tinha paixão, ficou com vontade.
E assim passava o dia. Na inundação do mar.
Tudo se tornou beira, até que se tornasse fundo. As praias de cada um viraram oceano. Nem montanha virou ilha. Nem cume deu conta de ser tão alto.
Que dia!
Dentro das mãos das crianças cabiam rios inteiros.
E dentro da blusa dos outros brotavam corais.
Coisa esplêndida.
Aquele dia.
Tinha um murmurar de delírios doces. O amor incidiu graciosamente sobre a humanidade. A ponto dos cânticos serem a nova linguagem.
Homens viraram reis e mulheres rainhas, reinantes num reino de nuvens.
E tudo era verdade.
E tudo sossego.
Em tudo paz.
Afoguei-me de tanto mar. Só nesse dia morri seis vezes, queria, porém, ter vivido mais dez óbitos.
Pena, o dia acabou.
13.1.09
Josefina em prantos
A música que você toca é o que já foi melodia em mim
O ritmo das suas batidas é o balanço dos meus pés
A estupidez das suas palavras brotaram do meu riso.
Música babaca a sua, porque o que se toca
. já passou em mim.
As partituras
estacionaram
no esquecimento.
Eu marcho para as trombetas.
Flautas dulcíssimas
A minha melodia não se toca duas vezes
Nas minhas veias nunca corre o mesmo sangue. Não escorre igual.
Há anos que percorri o universo, trago em mim resquícios do céu.
Não há alegria que não brote nos meus lábios
aquela música é eco
Ouça o que lhe digo agora:
O som de
mim
percorre todos os espaços
Bata seus passos, marque seu compasso na terra.
Então venha me procurar.
Traga um árco-íris nas mãos e flores entrelaçadas no peito
Que a sua boca emane amor para alimentar uma alma inteira
Traga a luz do infinito até os meus olhos
que suas mãos encerrem oito mares
Serre a podridão da desesperança
Enxerte sonho
seja Homem
Seja homem.
O ritmo das suas batidas é o balanço dos meus pés
A estupidez das suas palavras brotaram do meu riso.
Música babaca a sua, porque o que se toca
. já passou em mim.
As partituras
estacionaram
no esquecimento.
Eu marcho para as trombetas.
Flautas dulcíssimas
A minha melodia não se toca duas vezes
Nas minhas veias nunca corre o mesmo sangue. Não escorre igual.
Há anos que percorri o universo, trago em mim resquícios do céu.
Não há alegria que não brote nos meus lábios
aquela música é eco
Ouça o que lhe digo agora:
O som de
mim
percorre todos os espaços
Bata seus passos, marque seu compasso na terra.
Então venha me procurar.
Traga um árco-íris nas mãos e flores entrelaçadas no peito
Que a sua boca emane amor para alimentar uma alma inteira
Traga a luz do infinito até os meus olhos
que suas mãos encerrem oito mares
Serre a podridão da desesperança
Enxerte sonho
seja Homem
Seja homem.
9.12.08
A menina e o poeta
- Ô seu poeta?!
- Pois não, minha cara.
- Onde está sua poesia?
- Guardada no coração.
- Ô seu poeta!
- Diga lá.
- Não sabe que poesia se come, se bebe, se canta, se dá?
- Que se canta eu sei sim. Mas que se come, nunca comi. Quando se bebe, pode engasgar e quem muito dá, fica sem.
- Então tá...
- Por que está aborrecida, menina?
- Porque queria sua poesia.
- Mas não vê que não posso lhe dar o que me envivece?
- Não vejo não, seu poeta. Envivece? Que vem a ser isso?
- Pobre menina. Envivecer é dar vida e ficar dando vida.
- Não pode ser avivar?
- Pode não.
- E porque não?
- Porque sou poeta.
- Ah...poeta só sente com a palavra certa.
O poeta riu dessa meninice.
- Não, a gente sente cada letra e cada palavra é uma sensação.
- Deve ser bom ser poeta - disse a menina pensativa.
- Não é.
- Mas eu teimo que é.
- Pois teime, então - disse o homem impassível.
A menina mergulhou nela mesma.
- Menina.
Silêncio.
- Menina!
Lonjura.
- Por Deus menina, refique comigo.
- Refique?! Palavra gozada. O que queria comigo?
- Ouvi-la - disse o poeta cabisbaixo.
- Me ouvir para quê, se em você se encerram as melhores palavras?
- Não sei, talvez quisesse ouvir suas bobagens - disse em tom de pilhéria.
A menina se ofendeu e se trancou em si mesma.
Foi embora.
O poeta virou açougueiro. A menina foi comprar carne.
- O que faz aqui? - interpelou a menina.
- Derramo sangue e despedaço corpos.
- Gosta do que faz?
- É a mesma coisa que escrever, troquei a pena pela faca.
- São iguais- afirmou contundente.
- O quê?
- Faca e pena.
- Você é "poeta", menina?
- Não, sou quem lê. Sou quem entende, sou quem sente os sentidos.
- Menina, amo suas tolices.
- Poeta, odeio sua sabedoria.
- Por que diz isso, se lhe quero tão bem?
- É que na sua infinita beleza nunca me fez bela. E com todas as suas rimas nunca me fez poema.
Deixando a carne cair, a menina se foi chorando.
A menina virou bailarina e o poeta foi ao espetáculo.
- Menina, dançou tão bem!
- Poeta, porque me persegue?
Afônico ficou o poeta. A menina comeu o silêncio e retomou a conversa.
- Poeta, se me ama, então se pronuncie.
- Eu te amo.
- Poeta, o que fala tão baixo?
- Coisas de amor, pequenina.
- Para quem?
- Para você, minha menina.
- Então por que não ouço?
- Porque me calo.
Lamentando muito a menina despedaçou sua roupa e lançou fora no rio, juntamente com seu coração.
Pensava coisas tão tristes.
"Amar é bobógeno. Alucina e machuca. Mas faz dançar a alma. Eu já fui bailarina, já fui menina. Agora sou grande e estática."
A menina tentou se tornar árvore, porém, era inquieta demais e nunca criava raízes. Não sabemos o que o poeta fazia por esses tempos; ninguém sabe o que fazem os poetas, o que eles sentem onde eles amam e o que os encantará.
- Poeta!
- Menina, estou bravo! Você machuca, você erra, você rasga, aniquila, perfura, inquieta. Menina, estou bravo.
Vou para longe, me esqueça. Menina, você estraga tudo. Você azeda o amor. Você é culpada. Você é cruel. Você dilacera. Você me devora. Menina, vá para longe. Eu me afasto, eu me vou.
- Que triste essa história.
- Por quê?
- Porque é tão sem esperança.
- Você acha? - perguntou o homem.
- Penso que sim. É uma história tristíssima, na verdade.
- Qual história?
- A nossa...- disse a menina quase sem falar.
- A nossa...-recitou o poeta abalado. Por que é tão infeliz?
- Porque nos amamos, mas nem eu sou poetisa, nem você menino.
- Onde está a luz dos seus olhos, menina?
- Virou fagulha - respondeu.
- Não me chama mais de poeta?
- Não.
- E por quê? - disse docemente.
Foi então que ela se lembrou do caminho das borboletas, das flores, da beleza. Ficou sobremaneira abalada.
- Porque a poesia morreu em mim. Não acredito mais no amor.
- Quem matou?
- Eu mesma. Quem matou a poesia, você diz? Eu mesma matei. Amargura mata tudo.
- Até o amor?
- Acho que sim - respondeu a garota.
A menina e o poeta ficaram por longos dias sem saber como terminar essa história. Cansada de esperar, a menina resolveu inventar o final.
Nunca se soube o desfecho que o poeta estaria inventando.
É tão duro viver, dia após dia respirar sem saber o futuro.
Vivamos a invenção como fim.
Diz o poeta:
- Menina.
- Fala.
- Vê se esse coração é seu, achei num rio.
- É meu sim, obrigada.
A menina pegou seu coração, trêmula de saudades dos sentimentos e todos os assuntos coronários.
- Menina.
- Fala.
- Tem medo?
- Sim.
- O que tememos?
- Muito pouco.
- Concordo - silenciou o poeta.
- Poeta, você me disse que não tinha medo.
- E você me disse que era bondosa.
- É possível que não fiquemos juntos.
O poeta refletiu.
- Sim, é possível.
- O amor não basta?
- Não - disse o poeta abatido.
- A vida é feia!
- Não seja tola, menina. A vida é linda demais - disse sabiamente.
A menina se pôs a olhar o céu e o poeta fez o mesmo. Ele apontou uma lagarta peluda e ela delirou.
A menina se levantou e se lançou no rio, o poeta ensinou a fazer apito de folha.
- Que gosto terá essa fruta? - perguntava o poeta.
- Como se planta cenoura? - perguntava a menina.
Eles parecem parecidos e amam engraçado. Cada qual com seu jeito, cada qual com seu belo.
- Eu sou poeta?
- Sim - disse a menina sorrindo. Eu sou menina?
- Não - disse zombeteiro.
E assim acaba esse mundo.
- Pois não, minha cara.
- Onde está sua poesia?
- Guardada no coração.
- Ô seu poeta!
- Diga lá.
- Não sabe que poesia se come, se bebe, se canta, se dá?
- Que se canta eu sei sim. Mas que se come, nunca comi. Quando se bebe, pode engasgar e quem muito dá, fica sem.
- Então tá...
- Por que está aborrecida, menina?
- Porque queria sua poesia.
- Mas não vê que não posso lhe dar o que me envivece?
- Não vejo não, seu poeta. Envivece? Que vem a ser isso?
- Pobre menina. Envivecer é dar vida e ficar dando vida.
- Não pode ser avivar?
- Pode não.
- E porque não?
- Porque sou poeta.
- Ah...poeta só sente com a palavra certa.
O poeta riu dessa meninice.
- Não, a gente sente cada letra e cada palavra é uma sensação.
- Deve ser bom ser poeta - disse a menina pensativa.
- Não é.
- Mas eu teimo que é.
- Pois teime, então - disse o homem impassível.
A menina mergulhou nela mesma.
- Menina.
Silêncio.
- Menina!
Lonjura.
- Por Deus menina, refique comigo.
- Refique?! Palavra gozada. O que queria comigo?
- Ouvi-la - disse o poeta cabisbaixo.
- Me ouvir para quê, se em você se encerram as melhores palavras?
- Não sei, talvez quisesse ouvir suas bobagens - disse em tom de pilhéria.
A menina se ofendeu e se trancou em si mesma.
Foi embora.
O poeta virou açougueiro. A menina foi comprar carne.
- O que faz aqui? - interpelou a menina.
- Derramo sangue e despedaço corpos.
- Gosta do que faz?
- É a mesma coisa que escrever, troquei a pena pela faca.
- São iguais- afirmou contundente.
- O quê?
- Faca e pena.
- Você é "poeta", menina?
- Não, sou quem lê. Sou quem entende, sou quem sente os sentidos.
- Menina, amo suas tolices.
- Poeta, odeio sua sabedoria.
- Por que diz isso, se lhe quero tão bem?
- É que na sua infinita beleza nunca me fez bela. E com todas as suas rimas nunca me fez poema.
Deixando a carne cair, a menina se foi chorando.
A menina virou bailarina e o poeta foi ao espetáculo.
- Menina, dançou tão bem!
- Poeta, porque me persegue?
Afônico ficou o poeta. A menina comeu o silêncio e retomou a conversa.
- Poeta, se me ama, então se pronuncie.
- Eu te amo.
- Poeta, o que fala tão baixo?
- Coisas de amor, pequenina.
- Para quem?
- Para você, minha menina.
- Então por que não ouço?
- Porque me calo.
Lamentando muito a menina despedaçou sua roupa e lançou fora no rio, juntamente com seu coração.
Pensava coisas tão tristes.
"Amar é bobógeno. Alucina e machuca. Mas faz dançar a alma. Eu já fui bailarina, já fui menina. Agora sou grande e estática."
A menina tentou se tornar árvore, porém, era inquieta demais e nunca criava raízes. Não sabemos o que o poeta fazia por esses tempos; ninguém sabe o que fazem os poetas, o que eles sentem onde eles amam e o que os encantará.
- Poeta!
- Menina, estou bravo! Você machuca, você erra, você rasga, aniquila, perfura, inquieta. Menina, estou bravo.
Vou para longe, me esqueça. Menina, você estraga tudo. Você azeda o amor. Você é culpada. Você é cruel. Você dilacera. Você me devora. Menina, vá para longe. Eu me afasto, eu me vou.
- Que triste essa história.
- Por quê?
- Porque é tão sem esperança.
- Você acha? - perguntou o homem.
- Penso que sim. É uma história tristíssima, na verdade.
- Qual história?
- A nossa...- disse a menina quase sem falar.
- A nossa...-recitou o poeta abalado. Por que é tão infeliz?
- Porque nos amamos, mas nem eu sou poetisa, nem você menino.
- Onde está a luz dos seus olhos, menina?
- Virou fagulha - respondeu.
- Não me chama mais de poeta?
- Não.
- E por quê? - disse docemente.
Foi então que ela se lembrou do caminho das borboletas, das flores, da beleza. Ficou sobremaneira abalada.
- Porque a poesia morreu em mim. Não acredito mais no amor.
- Quem matou?
- Eu mesma. Quem matou a poesia, você diz? Eu mesma matei. Amargura mata tudo.
- Até o amor?
- Acho que sim - respondeu a garota.
A menina e o poeta ficaram por longos dias sem saber como terminar essa história. Cansada de esperar, a menina resolveu inventar o final.
Nunca se soube o desfecho que o poeta estaria inventando.
É tão duro viver, dia após dia respirar sem saber o futuro.
Vivamos a invenção como fim.
Diz o poeta:
- Menina.
- Fala.
- Vê se esse coração é seu, achei num rio.
- É meu sim, obrigada.
A menina pegou seu coração, trêmula de saudades dos sentimentos e todos os assuntos coronários.
- Menina.
- Fala.
- Tem medo?
- Sim.
- O que tememos?
- Muito pouco.
- Concordo - silenciou o poeta.
- Poeta, você me disse que não tinha medo.
- E você me disse que era bondosa.
- É possível que não fiquemos juntos.
O poeta refletiu.
- Sim, é possível.
- O amor não basta?
- Não - disse o poeta abatido.
- A vida é feia!
- Não seja tola, menina. A vida é linda demais - disse sabiamente.
A menina se pôs a olhar o céu e o poeta fez o mesmo. Ele apontou uma lagarta peluda e ela delirou.
A menina se levantou e se lançou no rio, o poeta ensinou a fazer apito de folha.
- Que gosto terá essa fruta? - perguntava o poeta.
- Como se planta cenoura? - perguntava a menina.
Eles parecem parecidos e amam engraçado. Cada qual com seu jeito, cada qual com seu belo.
- Eu sou poeta?
- Sim - disse a menina sorrindo. Eu sou menina?
- Não - disse zombeteiro.
E assim acaba esse mundo.
Bloco
Hoje vi um bloco de palhaços.
Tinham roupas coloridas, bolas apontadas para o céu, cara branca e vermelha.
Vi um homem sair correndo com muletas, fazer delas pernas e ficar maior do que todo mundo. É assim que se ganha títulos: "o homem da perna de pau"?!
Eles tinham bandinha. A Sete de setembro parou.
Eu. Cara na janela, sorriso no rosto.
Fui com eles, mas sem poder descer do prédio. Palhaça.
Lá de cima eu me regozijava: há gente livre enfim.
Tinham roupas coloridas, bolas apontadas para o céu, cara branca e vermelha.
Vi um homem sair correndo com muletas, fazer delas pernas e ficar maior do que todo mundo. É assim que se ganha títulos: "o homem da perna de pau"?!
Eles tinham bandinha. A Sete de setembro parou.
Eu. Cara na janela, sorriso no rosto.
Fui com eles, mas sem poder descer do prédio. Palhaça.
Lá de cima eu me regozijava: há gente livre enfim.
2.11.08
A história de um olho só
Explodi.
E virei estilhaço de mim.
Eu tinha um corpo inteiro, uma vida completa, tudo nos conformes...mas é que tive uns probleminhas. Briga forte, daquelas de matar pra morrer, pois foi assim que voei pelos ares.
Não sei, nem imagino, onde meus pedaços foram parar.
Virei criatura informe. Estilhaço de corpo.
Virei olho. Podia ser dente, umbigo. Mas o estilhaço que se manteve grudado na minha alma foi o olho.
E como eu vejo coisas! Vejo o céu, o mar e tudo mais.
Admito, entretanto, que me vem um pensamento dentro da minha íris: de que adianta olho, se não pode sorrir com o que se vê? Porque eu sinto, sim, continuo sentindo. Olho sente, ora essa. Eu sinto falta do meu corpo, de outros corpos.
Procuro não reclamar. Até porque, se olho não tem boca, é justamente para não virar reclamão.
O ruim é que olho sozinho só sabe se expressar de um jeito: lacrimejando. Ando muito chorador, molhando todo meu globo ocular, ma falta de um rosto de verdade.
Muito choro pesa a alma. Estou vivendo assim meio encharcado dessa única função: olhar-chorar.
Até tem beleza no olho, porém, não nele sozinho. Ninguém fica feliz de encontrar um olho na areia da praia ou boiando num rio.
Aí o dilema.
O dilema de um olho só.
Percebe a ambiguidade. É proposital, porque agora só vivo disso mesmo...insinuações, olhares.
Nem cílio! Nem cílio tenho mais.
Estilhaço, como estava dizendo. Pedi a uma mão para escrevinhar o que eu exprimia estático. A mão emprestada sentia tudo pela vibração da retina. Porque piscar também não posso. Porque eu mesmo não pisco. Eu vivo de ser imóvel e contemplar.
Se eu soubesse que isso ia acontecer, pedia a Deus pernas. Pelo menos tinha a opção de me lançar no abismo, ainda que não seja muito adepto ao suicídio.
Mão cansada já. Ô vida essa.
Não vamos reclamar.
Bem, é isso. A gente se vê. Eu sou uma pessoa de um olho só. Castanho. Você vai me reconhecer.
O prazer foi meu.
E virei estilhaço de mim.
Eu tinha um corpo inteiro, uma vida completa, tudo nos conformes...mas é que tive uns probleminhas. Briga forte, daquelas de matar pra morrer, pois foi assim que voei pelos ares.
Não sei, nem imagino, onde meus pedaços foram parar.
Virei criatura informe. Estilhaço de corpo.
Virei olho. Podia ser dente, umbigo. Mas o estilhaço que se manteve grudado na minha alma foi o olho.
E como eu vejo coisas! Vejo o céu, o mar e tudo mais.
Admito, entretanto, que me vem um pensamento dentro da minha íris: de que adianta olho, se não pode sorrir com o que se vê? Porque eu sinto, sim, continuo sentindo. Olho sente, ora essa. Eu sinto falta do meu corpo, de outros corpos.
Procuro não reclamar. Até porque, se olho não tem boca, é justamente para não virar reclamão.
O ruim é que olho sozinho só sabe se expressar de um jeito: lacrimejando. Ando muito chorador, molhando todo meu globo ocular, ma falta de um rosto de verdade.
Muito choro pesa a alma. Estou vivendo assim meio encharcado dessa única função: olhar-chorar.
Até tem beleza no olho, porém, não nele sozinho. Ninguém fica feliz de encontrar um olho na areia da praia ou boiando num rio.
Aí o dilema.
O dilema de um olho só.
Percebe a ambiguidade. É proposital, porque agora só vivo disso mesmo...insinuações, olhares.
Nem cílio! Nem cílio tenho mais.
Estilhaço, como estava dizendo. Pedi a uma mão para escrevinhar o que eu exprimia estático. A mão emprestada sentia tudo pela vibração da retina. Porque piscar também não posso. Porque eu mesmo não pisco. Eu vivo de ser imóvel e contemplar.
Se eu soubesse que isso ia acontecer, pedia a Deus pernas. Pelo menos tinha a opção de me lançar no abismo, ainda que não seja muito adepto ao suicídio.
Mão cansada já. Ô vida essa.
Não vamos reclamar.
Bem, é isso. A gente se vê. Eu sou uma pessoa de um olho só. Castanho. Você vai me reconhecer.
O prazer foi meu.
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