12.3.15

Já-amais


Há horas na vida em que os sinos tombam e o tempo esquece de ser marcado. Os dias se tornam uma continuidade fluida de acontecimentos assimétricos. O passado e o futuro ficam constantemente se beijando, deixando o presente de lado – entediado e bocejante.

Muitas memórias nos acordam, roçam nas nossas bochechas e nos dizem bom dia. Entre um cochilo e outro, sonhamos com o porvir. Sem maturar o desejo: se as expectativas devem ser empunhadas ou rechaçadas. Nesse terreno lodoso, patinamos por paisagens espetaculares. Amores antigos. Risadas macias. Olhinhos brilhantes. Dá saudade daqueles que morreram na nossa vida. Pessoas que se distanciaram e nunca mais voltarão.

Dentre todas as palavras que aprendi, uma se ampliou dentro de mim. Desilusão. Não falo como quem parte de uma orla de tristeza, mas como um cachimbo na boca de um velho sem dentes. Como quem observa a vida, sem o interesse de mastigar coisa alguma.

Eu encarava promessas com a tranquilidade de quem recebe um título de crédito. A palavra como sendo um legítimo penhor. Ah, miragens. Mentiras e desculpas empilhadas sobre a minha cabeça. De onde tiramos tanta inocência? Com que forças voltamos a recreditar no amor over and over again?

Olhando ao redor, vejo tanta coreficina. Gente que acreditou no amor e quando abriu os braços, recebeu uma pá na cara. Sem elegância, sem charme. Acabou ficando estirado no chão, com um nariz que saia meleca e sangue, olhos de muito mimimi e lágrimas. Quando é comigo, penso que a cena não é tão feia, mas olhando o desastre dos outros, percebo que se desiludir é uma espécie de estrangulamento da esperança. Um lance pesado e quase insuportável.


Mas, voltando ao meu cachimbo e minha barba por fazer, vejo que de alguma maneira a pessoa se recria. Deixa aquela carcaça alvejada no chão e parte para outra existência. Às vezes se reinventa, às vezes se repete. Eu fico pensando que isso é um milagre deslumbrante. A capacidade do ser humano de se reerguer apesar dos pesos dos pesares. Riscam a cartilha inteira, arrepiam as certezas, peidam na nossa farofa emocional, mas aí arrumamos outros papeis, reorganizamos as verdades e a farofa que se dane. Bem, jáamais e amareis de novo.

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