24.11.12

Muito mesmo: eras: um começo de poema


Caleidoscópio.Um milhão de imagens.Já não sei como pariram tantas cores.Mastiguei uma flor e
tenho hálitos de primavera.

Fiquei muito tempo sem saber como continuar. Aquela passada, de outrora não existe mais. Como
uma luz que se apaga e uma nuvem que se dissipa. Tantas vidas eu tiver, nunca me acostumo com a
morte. E morro de curiosidade de saber como seria morrer. Nessa vida crua e dura, acreditar no
céu é comer sorvete de creme e se lambuzar com aquela textura doce. Mal não faz, meu bem.

Eu andei adormecendo e abri os olhos em Berlim. Andei muito mesmo, por ruas germânicas que eu
inventei, com gente que nunca vi. Tudo inventado, cada cor dos cílios, cabelo e nariz. Tudo meu.
E meus passos também inventados, numa vida que me para. Que me para. Numa vida. Eu andei muito
mesmo e fui parar numa praça. E lá só havia ferros. Contorcidos e pro alto. Como que plantados
no chão. Como que uma amostra do que a terra não faz nascer. E. E eu não entendi o porquê
daquela brutalidade. De tanto ferrugem, de tanto abandono.

Até que. Até que vi um amigo. E me disse assim: "... não, não. Não é feio o que tem beleza." E me
explicou que era especialista em ferrugem. E me explicou que cada uma era um por-do-sol. E
suspirou pelas cores, muito mesmo. E eu vi aqueles tons e louvei ao ferro, ao tempo, ao
desgaste. E vi como eu era cega antes. Laranja, marrom, cinza. Cor de chão, cor de céu, cor de
olhos, cor de folha. E meu amigo me dizia que Berlim era muito enferrujada mesmo. E eu achava a
cidade bonita. E uma vertigem me tomou e eu cai de mim mesma. E eu achei a cidade bonita. Mas
vertigem. Não. E medo do tempo. E eu não conheço Berlim. E eu andei muito mesmo. E pessoas que
nunca via. e. E. Não era um por-do-sol. E por que as pessoas morrem? E não quero que nada
acabe. A beleza existe. Há encanto. Cantos E sim. Não conheço Berlim. E quantas pessoas
eu posso inventar. E essa guerra toda e essa putrefação da vida. Os pedaços caindo. E vertigem
de novo.

Depois de um dia novo adormeci de novo e sonhei que se fechássemos bem os olhos e
acreditássemos que aquilo não era verdade, então todo o mal se dissipava. É que as pessoas
ficavam zumbis e tentavam fazer coisas sem sentido. Matar, nadar no mar muito fundo, parar de
cozinhar o almoço. E eu e minha irmã íamos consertando essa peste. Às vezes, a gente sacudia a
pessoa. Às vezes tinha que lutar mesmo. Mas a gente já fez judô, o que ajudou bastante no
processo. Ah, e muitas pessoas estavam se transformando em bronze e ficavam meio liquefeitas e
meio parecidas com uma moeda gigante derretida. Então, elas entravam no mar e começavam a nadar
bronzeadas, indo pra uma ilha qualquer, que eu esqueci agora o nome. Também era da minha
responsabilidade cuidar desse translado.

Já estava quase tudo resolvido quando descobrimos que havia um rapaz que estava zumbi e que não
comia desde então. Por algum motivo isso era sinal de que ele era muito muito poderoso. Todos
sabemos da força de vontade para sermos disciplinados em uma dieta rígida e sinto que em grande
parte isso é uma resposta plausível para que o temêssemos tanto. Fato é que o seguíamos de
perto. Só que ele tinha um exército de bonequinhos anões, que tacavam areia e tinham escudos. No
meio da batalha, surgiu um sábio - bem gatinho, por sinal - e tacou uma pedra de areia bem nos
peitos de um. Vários desapareceram nessa hora e aprendi outra regra do jogo: todos nós tínhamos
 botões que, se pressionados, nos faziam desaparecer, sumir, perder.

Eu estava crente que iria salvar o mundo. Só faltava acordar o grande líder anorexo. E pronto.
Mamão com açúcar. Mas aí, veio um doido que tinha matado o John Lennon e enfiou um garfo de
churrasco no pescoço da minha irmã. Já ia fazendo o mesmo comigo. E eu fiquei muito pesarosa,
estávamos quase lá. O que foi que eu fiz de errado? E naquele desespero de salvar minha irmã,
lembrei da primeira regra do jogo: sonhos não são reais.

E acordei. Sonhos não são reais. Sim. Tudo desapareceu. Todas as coisas boas que eu fiz. Eu
quase salvei o mundo inteirinho. Mas não teve jeito, pra sobreviver, uns trechos de nós
precisam deixar de existir.

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