Quando eu fui escrever “amor”, minha caneta se dissolveu e dezenas de milhares de litros de tinta rosa caíram no meu bloco de anotações. As letras ficaram borradas e fantasmagóricas como uma espécie de mal presságio. Fiquei com medo e acendi uma vela com perfume de bananeiras. Fiquei com medo da vela botar fogo na minha casa e nas minhas coisas e nas coisas dos outros e no prédio. Fiquei com medo de incendiar a cidade e. Fiquei com medo de incendiar a região onde moro, então. Fiquei com medo de acabar com o continente europeu e queimar diversas universidades, então coloquei a vela num copo. O copo por sua vez tinha um desenho de uma mulher com blusa amarela que fica com a cabeça de lado, pro lado esquerdo e com paisagens de cana-de-açúcar - numas cores muito lindas mesmo e escrito “rhum blanc, Martinique”. Esse copo não é meu, por várias razões. Dentre elas é que pertenceu à uma família de franceses que doaram pro seu filho, os copos, e dentre outras coisas que eu uso do filho deles, eu uso esse copo. Eu gostava muito também de usar roupas e acessórios dos meus familiares, mas eu tenho evitado porque dá muita saudade - moramos longe e meu coração não aceita bem.
Talvez você esteja se perguntando por que eu estava
escrevendo “amor” com uma caneta rosa estourada no meio de uma pandemia de um vírus
de bases chinesas. Da minha parte, não sinto vontade de me alongar nesse
assunto e acho que é o menor dos seus problemas. Eu estou em busca de novos leitores,
pois busco validação e sucesso pessoal. Financeiramente, ganho meu dinheiro vendendo
pães – que não tem nada a ver com aquele papo de “cada dia”, pois trabalho em
escalas muito variadas. O contexto histórico-social do mundo atual atrapalhou
meus sonhos de ser escritora de ficção. Verdadeiramente algumas cenas apocalípticas
fazem parte do meu dia-a-dia e os discursos alucinados de alguns políticos
aumentaram muito a competição no reino da fantasia. Sempre pensei que iria
enriquecer assim, com uma série de livros com palavras mágicas, mas. Hoje fui
entrevistada na rua. A menina implorou para eu falar como era minha experiência
de andar de bicicleta na cidade e não precisava nem da metade daquele
desespero, porque eu gosto de falar. A situação ficou delicada quando ela me
perguntou quanto tempo eu gastava para ir para o trabalho e eu disse que ia
mais para a biblioteca e que isso era rápido. Ela parou o vídeo e me olhou de
lado, igual a boneca desenhada no copo, e perguntou: “quanto tempo para o
trabalho?”. Meu corpo ficou quente porque eu trabalho mais é sentada de casa e a
foto no meu computador é o cabelo da minha mãe. Não sou tão profissional. Olhei
para ela, pensando nos meus arquivos pdf e na minha vida desmaterializada. Vi
uma coisa loira brilhando, ela tinha um buço dourado muito espesso, fiquei com
vergonha da minha vontade de querer olhar de novo. Pela glória de um poder do
divino social, eu lembrei que trabalho na padaria, por escalas. Falei “35 minutos”
e achei um tempo honesto – tem uma subida grande e eu paro no sinal para
descansar, isso gera um impacto na minha performance.
Fiquei pensando como seria engraçado se eu cometesse
um crime e ficasse famosa. Ela teria meu vídeo e iria se promover, talvez as
vendas de bicicleta sofressem. Fora isso não tive mais ideias da utilidade do
meu vídeo - uma vez que ela fazia perguntas que juntas direcionavam para uma conclusão
inevitável: a opinião dela. Se você for no júri do mestrado dela, já sabe o
contexto em que tudo aconteceu. De resto, é isso mesmo, só queria contar o
lance da caneta porque achei curioso.
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