17.5.09

Correspondência

Querido leitor,

Escrevo essa carta na esperança de que as letras não morram sem nascer.
Alguma vez na vida você já esteve tão perto da dor que simplesmente sentiu paz?
E de tanto pranto, secaram-se as lágrimas.
E de tanto amor, um rasgo se deu.
Falta-me a vitalidade do outro. Daquele que perece, num leito, sem ar nos pulmões.
Nessas ocasiões preparamos a fúnebre visita, última. Antes que tudo se torne póstumo e inerte.

Como se aceita que alguém partirá?
Como se canta sobre amores vindouros?
Porque a vida, minha vida, se encerra em lábios frágeis e moribundos. Daqueles que definham, daqueles que são magros. Daqueles já foram fortes e bradavam.
Hoje, caro leitor, se ponho minhas mãos sobre aquele corpo doente, o que recebo é um carinho circular. E mesmo em meio aos destroços, sinto minhas mãos envolvidas pelo enfermo que é mais bravo do que eu.

Eu morro de medo e ele morre de estar vivo. Já viveu sim, bastante, pois bem.
Agora, talvez seja o dia dos lírios findarem e da chuva cair sobre mim.
Leitor meu, lhe digo: não tenho palavras doces, nem nojentas.
Há uma despedida lenta e majestosa. Escorre pelas brechas de mim.

Se todos morrem, por que vivo?
Se todos vão, por que vim?
A minha beleza vem deles, daqueles que com cabelos brancos envelhecem ternamente.
Sepultarei minha origem. Pequena e linda.
Aquele que me deu ferramentas.

Um eco. Chamo e não há resposta.
Não vá, fique para sempre comigo.

6 comentários:

O Viajante disse...

Simplesmente lindo.....
Senti cada palavra, veio em minha mente cada despedida feita, ainda que poucas, contudo significativas....

Despedidas essas dos mais experientes e, de pessoas novas, mas, a pior para mim, foi a despedida de alguém que, era de perto e, foi para longe, porém, ainda vive.....

Gostei muito menina, um gigantesco abraço e, um enorme beijo!!

Patrícia Reina disse...

Há uma despedida lenta e majestosa. Escorre pelas brechas de mim. pude ver a ida pelas suas suturas!

depois desse texto eu quis sentar com vc numa sala de casa de avó e pensar nisso tudo, falando nossas ânsias, olhando pros nossos próprios pés em cima do criado mudo.

Patrícia Reina disse...

... ou da mesinha de centro, que dá pras duas. (:

Miguel Del Castillo disse...

os girassóis, nessa hora, vão bem. vi o texto agora, depois que mandei.

"Alguma vez na vida você já esteve tão perto da dor que simplesmente sentiu paz?"
acho que sei como é.

"A minha beleza vem deles, daqueles que com cabelos brancos envelhecem ternamente."
que bonito isso. marejei.

Unknown disse...

Gentil. Esse era o nome do meu avô materno. Me lembrei imediatamente dele ao ler essa bela carta. Meu avô envelheceu ternamente. E se despediu dessa mesma maneira. E sim, a cada lembrança, ele permanece comigo.

Obrigada.
Beijos!

Felipe Reina disse...

Nossa! puxa...é bonito e dói. É bonito e dói.