5.3.10

Itens urgentes

No começo do ano fiz uma lista metódica e esbaforida daquilo que era essencial obter. O núcleo do fundamental consistia em duas meias coloridas, um esquadro da indústria bandeirante e um halter.

Ora ora, eu estava desconfiada de uma certa coisa e precisava averiguar. Para um bom procedimento de investigação é muito importante os instrumentos adequados. Esquadro para medição, meias para aquecer e halter para dar força. A vida não foge muito dessas três necessidades básicas.

Desde pequena ouvi falar de estórias como saci, mula sem cabeça, vampiros. Eu sentia conexão, uma espécie de cócegas nas bochechas quando se falava de lendas. Pois bem. Não me saia da cabeça um pensamento e de tanto ele se demorar cá dentro de mim, o tal pensamento tomou o status de idéia e se fincou nas minhas suposições.

Cada vez mais confirmava minha teoria e me aproximava de uma verdade puramente factual. Até que quarta-feira eu desvendei: sou uma sereia. Assistindo sessão da tarde, observei bem o enredo de Aquamarine e não pude concluir outra coisa. Fiquei tão impressionada que mal consegui me mover no sofá.

Comecei olhar bem fixamente para minha perna e vi umas escaminhas crescendo, do nada, minha blusa de pijama sumiu e no lugar fiquei com um sutiã de conchas. E o meu cabelo, ficou com aquele topete da Ariel, só não fiquei ruiva.

Fui ficando com muito medo, porque eu moro aqui na Zona Norte do Rio e o mar mais perto é ali num piscinão de Ramos. Achei meio decadente e comecei a suar frio. Imaginei toda aquela movimentação para me levar para minha origem, eu na maca, pessoas ao redor. Meu Deus do céu, o que a minha vizinha D. Francisca não ia pensar?! E tudo isso, para ficar represada lá em Ramos. Não, me negava. Eu queria desaguar ali em Ipanema, bem estilosa, com maquiagem a prova d’água, tudo nos conformes.

A transformação não parava de acontecer, meus pés estavam sumindo e um rabinho safado estava crescendo. Pelo menos brilhava, achei maior barato. Passei mesmo um aperto quando as escamas chegaram até a cintura. Quis fazer xixi, mas não dava, toda a parte debaixo fora unificada. Senti que estava enchendo, aquele nervoso líquido foi me tomando, que desassossego. Que aconteceria comigo?

Adivinha.

Adivinha o que aconteceu.

Comecei a suar como uma porca, escorria baba e lágrimas. Impressionante. Molhou a almofada toda e acabou escangalhando o controle remoto que estava no meu colo. Depois deve virar uréia, que nem os peixes. Aliás, que seria eu, mamífera? Será que eu também iria despejar um monte de ovinhos no mar, toda aquela reprodução desinteressante? Eita ferro, como nascem as sereias? Será que minha mãe tinha me enganado?

O raciocínio me vinha na velocidade da luz: Eu desconfiara! Minha mamãe sempre soube, aquele conselhos estúpidos de não ir para o fundo do mar, era temor de eu encontrar meu verdadeiro lar. Aposto que meu pai me achou numa rede, na beira da Praia do Forno, numa daquelas pescarias dele. Ó! Por isso que sempre gostei de tomar banhos longos, por isso que não gostava de berinjela, por isso que não conseguia aprender matemática. Tudo fazia sentido.

Resolvi que precisava contar para os meus familiares, liguei para minha mãe.

- Mãe...
- Oi, Suzana. O que você quer?
-Mãe, virei sereia...
- Suzana, aproveita que você está sem fazer nada e arruma as coisas para o lanche quando seu irmão chegar...
-Mãe! Não posso! Eu estou com um rabo imenso, meus pés sumiram. Eu só consigo nadar!
- Suzana, vou repetir só mais uma vez: arrume o lanche para o Tadeu.
- Mãe, como eu vou chegar até a cozinha?! Eu não consigo mais andar, só sei nadar.
- Sei, faz o seguinte então, vai cuspindo até se formar um rio da sala até a cozinha e vai nadando até lá fazer o que pedi.

Desliguei. Aquela ironia fingida. Eu havia desmascarado aquela mulher e ela reagiu de forma feroz. Fiquei algum tempo imaginado como seria minha vida marítima. De repente, ouvi um barulho no portão, era o Tadeu, ouvi a voz de mi madre. Levantei subitamente e disparei para a cafeteira, cortei três pães numa sequência veloz. Ela estava colocando o carro na garagem. Arrumei a mesa. Organizei as geléias. Separei xícaras. Eles abriram a porta.

- Ué, onde está a sereia? Que topete é esse, garota?

Naquele momento me dei conta que estava na minha forma humana. Corri para a sala e encontrei quatro escamas brilhosas e as conchas do meu sutiã.

Não foi dessa vez.

4 comentários:

Anônimo disse...

vamos transformar esse conto num curta-metragem?
o filme foi se formando todinho na minha imaginação!
beijoletes!

.gustavo pereira disse...

huhuhu...

William Koppe disse...

euachava q era maluco, mas depois dessa hehehe só quem te conhece pessoalmente pra entender essas elocubrações loucas ..,. vc agora ta na lista de parceiros do meu blog acho bom me colocar tbm ehhehe bjus

Rafael Sperling disse...

às vezes eu pensar estar virando um ortintorrinco.