Tomei cachaça. Tomei cachaça com
cerveja. Olhei o limão e lembrei de 4 ex-namorados. Peguei um copo de vidro.
Coloquei gelo. Espremi limão. Matei-os esmagados. Enfiei-nariz-bocalábio no
copo: estiquei a língua. Feitiçaria. Eu toda bruxa alácasei uma vodka. Achei
hortelã. Achei de bom tom. Achei água potável, bom tom. Achei 51, que venha.
Cachaça caseira: requinte. Gelo muito gelo. Mirei minha própria boca, olhei
pro teto e sorvi lentamente minha obra-prima. Depois, como quem guarda em si
todos os mistérios da Terra, sentei numa cadeira qualquer e fiz pose de
bochechas de anão velho: caídas, sonolentas, macias e rosadas.
Conversinhas sobre economia. A
mãe de alguém era chique, o pai de alguém estava vindo. Fulano de tal era
corno, a mulher da esquina operou as varizes. Blá blá blá blá, casaco barato,
buraco na estrada, um filho sem olho. Sem olho?
Achei aquilo um desrespeito,
resolvi ir pra casa.
- Eu te levo!
- Eu te busco!
- Eu te pego!
Homens malditos.
Mas. Eu carregava toda a meiguice
do mundo, aquele ranço que só um porre promove, aquela língua que gruda nos
cantos da boca, lá no céu, de repente, se enrola (profere) e se cansa. O corno
perdeu o olho, coitado. Cheguei em casa relativamente sozinha. E lembrei do
Agenor, ele tinha um queixo quadrado e a unha do indicador parecia que iria
chegar nas costas do dedo. Ele me explicou que foi um acidente com um cachorro,
que tirou o tampão fora e aí a unha ficou assim: envoltada. Seja como for,
Agenor e eu tivemos um lance legal e um papo gostoso. Ele trabalhava numa
mineradora e se gabava de já ter visto muito cobre na vida. Ele gostava de
música de cowboy e tinha um sorriso daquele que faz perdoar pecados. E cada vez
que ele ria, eu orava: amém.
O Agenor tinha assim uns olhos
pequenos, daqueles que somem na cara, castanhos, alegrinhos. A voz dele era
rouca. Ele era todo feliz, mas não me beijava nunca porque dizia que se
beijasse ele iria se apaixonar e se se apaixonasse, não iria aguentar. Como eu
queria que ele aguentasse, eu fazia que sim, coração palpitando destrambelhado.
Aí ele sorria: perdoados estão vossos pecados. Um tempo depois ele me disse até
que me amava, mas estava acostumado a amar outra mulher. Por questão de hábito,
não ficamos mesmo juntos.
Encostando nessas memórias, fui
olhar pela janela. Romântica, lenta e perigosa, avistei a casa do vizinho. Eu
morava no alto. E ele era um velho tarado que ficava lambendo os próprios
beiços. Um enjoo e uma ideia espetacular: vou vomitar no telhado dele. Abri bem
a janela e invoquei os meus drinks. Mas só dei uma golfadinha. Quase que só
escorreu pela parede. Que frustração. E veio de novo. Aquela onda. Ah, coisa
linda vomitar sorrindo. Afastei umas mechas de cabelo, que voavam com o frescor
da noite. Estava preparando mais uma investida quando minha mãe me pegou, já de
pijamas, vomitando no telhado do Seu Otávio. Doida! Pegou um balde. Vomita
aqui! Não quero. Anda, vai. Não. E me neguei. Mas ela enganou os meus sentidos
e colocou o balde na direção do meu alvo. A partir daí só golfei. Nunca mais
fui a mesma. Depois ainda escovei os dentes, higienizada e mansa.
O Seu Otávio acordou todo mundo
no outro dia dizendo que o gato dele estava morrendo. Que tinha vomitado tudo,
que até agora pingava e que tinha folhinhas e muitas tranqueiras. O bicho comeu
planta venenosa ou cachorro-quente estragado. Está pelas últimas. O gato ficou
lá, gordo, recebendo afagos fúnebres. Eu não tive dor de cabeça nem remorsos.
Minha irmã disse que eu não tenho auto-estima, mas a partir de agora resolvo
tudo chamando o Raul. Você que não me pague o que me deve.
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