Tenho para mim que no verão
muitas coisas derretem, pra nunca mais serem as mesmas. Desde o protetor labial
de manteiga de cacau até aquela paixãozinha, docemente cultivada em tempos de
paz. Esse período do carnaval é uma delícia, as meninas usam flores na cabeça,
os meninos portam capas e tudo é muito divertido. A peruca torta faz graça, um
He-man gordão é o máximo. Essa suspensão das críticas e essa liberdade para ser
ridículo é o que nos faz aguentar o resto do ano.
Por outro lado, uma questão que
acho curiosíssima é a suspensão do amor. Queridinho, poucos são aqueles que
unem corações, trapos e fidelidades nesse período. Estica-se a massa até chegar
março, umas furam, outras resistem. Fica aí a margem de risco. Isso tudo porque
o parâmetro é a quantidade e não a qualidade das relações e das emoções.
Sentir-se bombástico. Essa é a palavra de ordem. Causar. O que, para quem e
para onde ninguém sabe muito bem.
Particularmente acho que é uma
fase necessária, que a maioria das pessoas precisa enfrentar. Seja no carnaval,
seja no feriado de Zumbi. É importante que nos sintamos deslumbrantes e
potencialmente extraordinários. O problema é quando isso nunca passa. Fica
perigoso e, acima de tudo, fica muito feio.
Bauman tem um livro que se chama
Vidas líquidas (título bastante ridicularizado pelos meus irmãos). Nele, o
autor fala sobre essa fluidez desenfreada das relações e essa não permanência
cogente. Eu iria além, acho que muitos desses laços foram como que projetadas
por uma luz: um Datashow emocional, expõe um super laço que está ali
enquanto não precisamos toca-lo.
Se os nossos pais e avós
reclamavam das relações rígidas e sufocantes pelas quais tiveram que sobreviver;
nós, por outro lado, talvez nos queixemos da efemeridade das coisas. Rápido e
ligeiro: curto e fugaz.
Não vou aqui evocar textos
bíblicos, nem empunhar um tom de preciosismo. Mas penso que as pessoas estão
muito sem esperanças nelas mesmas e nas outras, de modo que escolhem não
perseverar. Talvez o que mais venha me incomodando, nessa vida adulta, é uma
espécie de realidade aparente de que o amor não existe. Quando falo em amor,
digo amor mesmo. Daqueles dos bons. E mais, quando ele existe, não garante
felicidade.
Não tenho as respostas para todos
esses questionamentos. Primeiro, porque não sou guru, segundo, porque não sou
tão esperta assim. Só sei que está tudo feito de papelão e ki-suco. Uns
sentimentos pobres e descartáveis que oferecemos a quem nos procura. Cobre-se a
tatuagem com um tubarão lunático, meia dúzias de fotos charmantes na rede
social e pronto. Acabou. E o pior, acaba mesmo.
Eu acho impressionante. Não é que
ficaremos por aí chutando pedra, bebendo cachaça no Bar do Bigode. Mas esse
detox instantâneo da paixão não é para mim não. Quando a gente arranca qualquer
coisa do peito, dói. Mesmo que seja erva daninha. Aquela pessoa ficou o doninho
do seu core e destronar é sempre uma revolução sangrenta.
O mais incrível de tudo é que
ninguém domina a arte do caimento de ficha. Dá um clique e pronto. A gente se
apaixona. Clic. A gente desama. Clic. Nunca mais passo por isso. Clic. Lá vem
estória.
A gente namora, casa, pega. Gosta
do marido, mas amou o peguete mais que tudo.
De todos os sentimentos, o amor é o mais livre. Amemo-nos-me.