Tem horas que a vida dá um intervalo e surge um
imenso silêncio, cessa toda a percussão e fica o bumbo, ecoando, gravíssimo.
Como se os movimentos oscilassem: devagar eu, rápido o mundo; eu voraz, o mundo
cochilando. Um bum bo.
Vamos nos calcificando e criando ossos até nas
nossas partes mais moles, uma tentativa de gerar estrutura, eu acho, para
enfrentarmos os obstáculos menos liquefeitos e esparramados. A doçura e a
inocência se fundem num sentimento quase triste: nostalgia.
Aprendi que as experiências nos percorrem e vão
deixando seu espólio em nós. Como se fôssemos um rio, onde a água que nos atravessa
fosse aquilo que vivemos. Às vezes, arrancam nossas barragens, outras, enriquecem
nosso solo. Deixam lixo ou mudam nosso curso: podemos virar lagoa ou desembocar
no mar. A vida é um constante movimento de inundação.
Uma importante conquista foi perceber que tenho
domínio sobre o meu leito, quase nada é irresistível. Algumas mudanças são
difíceis de remanejar, mas com persistência, sempre é possível se aproximar do
que éramos antes, na nossa antiga geografia.
A questão é: queremos ser os mesmos? Queremos
negar sistematicamente todas as alterações que nos alcançaram?
É desconfortável mudar de forma, mas nem todo desconforto
é ruim. Exige, entretanto, mais diligência, teremos que reconhecer nossas novas
fronteiras e reinterpretar nossos caminhos. Sonhos desaparecem, outros brotam.
A projeção sobre o futuro não alcançado não é um aborto. Algo que morreu. O que
não aconteceu precisa deixar de existir para dar espaço àquilo que vai surgir.
Vez por outra temos que esganar uns fantasmas,
no escuro mesmo, quando eles vêm nos assolar. Uma parte do novo é chamada medo.
Como uma pedra de argila, com mãos insistentes e com água disponível.
Desconstruindo as armadilhas e dando novas serventias ao nosso material
emocional. Precisamos cuidar de nós mesmos, tatear nossos pensamentos, cuidar
das feridas. Semear brotinhos de alegria. Regar e regar. Regar. É preciso se
esticar até o último pedacinho do dedo para alcançar a esperança. E pega-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário