15.2.16

Carnaval

Tem horas que a vida dá um intervalo e surge um imenso silêncio, cessa toda a percussão e fica o bumbo, ecoando, gravíssimo. Como se os movimentos oscilassem: devagar eu, rápido o mundo; eu voraz, o mundo cochilando. Um bum bo.

Vamos nos calcificando e criando ossos até nas nossas partes mais moles, uma tentativa de gerar estrutura, eu acho, para enfrentarmos os obstáculos menos liquefeitos e esparramados. A doçura e a inocência se fundem num sentimento quase triste: nostalgia.

Aprendi que as experiências nos percorrem e vão deixando seu espólio em nós. Como se fôssemos um rio, onde a água que nos atravessa fosse aquilo que vivemos. Às vezes, arrancam nossas barragens, outras, enriquecem nosso solo. Deixam lixo ou mudam nosso curso: podemos virar lagoa ou desembocar no mar. A vida é um constante movimento de inundação.

Uma importante conquista foi perceber que tenho domínio sobre o meu leito, quase nada é irresistível. Algumas mudanças são difíceis de remanejar, mas com persistência, sempre é possível se aproximar do que éramos antes, na nossa antiga geografia.

A questão é: queremos ser os mesmos? Queremos negar sistematicamente todas as alterações que nos alcançaram?

É desconfortável mudar de forma, mas nem todo desconforto é ruim. Exige, entretanto, mais diligência, teremos que reconhecer nossas novas fronteiras e reinterpretar nossos caminhos. Sonhos desaparecem, outros brotam. A projeção sobre o futuro não alcançado não é um aborto. Algo que morreu. O que não aconteceu precisa deixar de existir para dar espaço àquilo que vai surgir.


Vez por outra temos que esganar uns fantasmas, no escuro mesmo, quando eles vêm nos assolar. Uma parte do novo é chamada medo. Como uma pedra de argila, com mãos insistentes e com água disponível. Desconstruindo as armadilhas e dando novas serventias ao nosso material emocional. Precisamos cuidar de nós mesmos, tatear nossos pensamentos, cuidar das feridas. Semear brotinhos de alegria. Regar e regar. Regar. É preciso se esticar até o último pedacinho do dedo para alcançar a esperança. E pega-la.

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