16.1.16

Sempre e só

Algumas noites acordo, assustada em uma casa estranha. Fico com um pavor: estou na França. O pensamento fica girando na minha mente sonâmbula. Meu coração afunda dentro de mim: estou sozinha.

A saudade não se descola. Alguns dias é como um vento gelado, cortante e incômodo, vai entrando por entre as brechas e me tira todo o aconchego. Há outros, porém, que a saudade vem como um beijo quente e macio, afagando os meus cabelos e me fazendo dormir em paz.

De qualquer maneira, o infinitivo do amar é sofrer.

Sofro de bom grado, porque o que me dói é o sobejar. É a consciência exata de que amo muito e sou muito amada. Sofro porque carrego um tesouro maior que eu mesma. É um mar com pedras cortantes no fundo. Nado para fluir, sobretudo, para sobreviver.

A solidão, aos poucos, constrói morada mim. Adornada de hábitos curiosos. Prazeres miudinhos e graciosos. Olhar o morango de perto, estudar o cadarço do sapato, sorrir para o dia. Os objetos ficam dotados de personalidade. A almofada é minha “fofinha”; a luva mais quente, “a poderosa”; as cobertas são “a galera”. Mas sinto falta mesmo é da minha irmã entrando no quarto com o botão da calça aberto, comendo banana, com um pão mão. De fazer cinco tapiocas. De sentar no sofá e ter o colo do meu pai, do meu irmão sentando em cima da gente e tirando do meu canal, da minha mãe narrando todas atividades do seu dia.

Sinto falta do carnaval que não terei. Das pessoas que mergulharam nesse oceano que nos distancia e me transformaram em passado. Perdi muita coisa nessa travessia. Sei que nem tudo vou ganhar de volta. A vida, às vezes, nos amputa mesmo. A gente cresce para outros lados.

A sensação é como se alguém colocasse a mão na nossa cara: e não podemos ver direito, nem respirar direito, nem falar direito. Fica tudo confuso e atrapalhado. Um ataque improvável. De tanto me debater, consegui libertar o meu rosto para voltar a viver face-a-face.

A alegria aqui repousa nessas vitórias: ver melhor, respirar tranquila e falar corretamente.

Refaço os caminhos para sabe-los bem no dia em que vierem me visitar, faço roteiros intermináveis para que eles nunca precisem ir embora. Meus olhos se abrem e estou no metrô, na rua deserta, no Sena, no café, no bar, de frente pra salada. Vivo entre três mundos: onde os meus queridos ficaram, no que eu estou e no que eu criei.

A alegria aqui repousa nessas vitórias: sorver, sonhar e lutar. Nunca sozinha. Sempre e só.



Um comentário:

Guilherme disse...

Belo texto! ^^
"O infinitivo do amar é sofrer" e ainda assim amamos!
Força para encarar a solidão, abraços!