Algumas noites acordo, assustada em uma casa
estranha. Fico com um pavor: estou na França. O pensamento fica girando na
minha mente sonâmbula. Meu coração afunda dentro de mim: estou sozinha.
A saudade não se descola. Alguns dias é
como um vento gelado, cortante e incômodo, vai entrando por entre as brechas e
me tira todo o aconchego. Há outros, porém, que a saudade vem como um beijo
quente e macio, afagando os meus cabelos e me fazendo dormir em paz.
De qualquer maneira, o infinitivo do amar é
sofrer.
Sofro de bom grado, porque o que me dói é o sobejar. É a consciência exata de que amo muito e sou muito amada. Sofro porque carrego um tesouro maior que eu mesma. É um mar com pedras cortantes no fundo. Nado para fluir, sobretudo, para sobreviver.
A solidão, aos poucos, constrói morada mim.
Adornada de hábitos curiosos. Prazeres miudinhos e graciosos. Olhar o morango
de perto, estudar o cadarço do sapato, sorrir para o dia. Os objetos ficam
dotados de personalidade. A almofada é minha “fofinha”; a luva mais quente, “a
poderosa”; as cobertas são “a galera”. Mas sinto falta mesmo é da minha irmã entrando
no quarto com o botão da calça aberto, comendo banana, com um pão mão. De fazer
cinco tapiocas. De sentar no sofá e ter o colo do meu pai, do meu irmão
sentando em cima da gente e tirando do meu canal, da minha mãe narrando todas
atividades do seu dia.
Sinto falta do carnaval que não terei. Das
pessoas que mergulharam nesse oceano que nos distancia e me transformaram em
passado. Perdi muita coisa nessa travessia. Sei que nem tudo vou ganhar de
volta. A vida, às vezes, nos amputa mesmo. A gente cresce para outros lados.
A sensação é como se alguém colocasse a mão na
nossa cara: e não podemos ver direito, nem respirar direito, nem falar direito.
Fica tudo confuso e atrapalhado. Um ataque improvável. De tanto me debater,
consegui libertar o meu rosto para voltar a viver face-a-face.
A alegria aqui repousa nessas vitórias: ver
melhor, respirar tranquila e falar corretamente.
Refaço os caminhos para sabe-los bem no dia em
que vierem me visitar, faço roteiros intermináveis para que eles nunca precisem
ir embora. Meus olhos se abrem e estou no metrô, na rua deserta, no Sena, no
café, no bar, de frente pra salada. Vivo entre três mundos: onde os meus
queridos ficaram, no que eu estou e no que eu criei.
A alegria aqui repousa nessas vitórias: sorver,
sonhar e lutar. Nunca sozinha. Sempre e só.
Um comentário:
Belo texto! ^^
"O infinitivo do amar é sofrer" e ainda assim amamos!
Força para encarar a solidão, abraços!
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