Certa
vez, uma amigo do meu irmão apareceu aqui em casa, tarde da noite para ir no Via Show, a namorada dele, que morava na Serra ou na Região dos Lagos ou longe
tipo São Gonçalo, estava na casa dele. Tinha vindo passar o fim de semana com
seu amado. Diante da alegação de que iria jogar video game o jovem, ganhou o
mundo, com perfume e gel emprestados. O que me inquietava era que ele havia me
dito que desta vez estava realmente apaixonado (fato inédito). Resolvi
inquiri-lo: “. Mas, garoto, você não disse que gostava dessa menina?!”. Ao que
ele pensou, pensou e me respondeu: “E eu gosto! Só que gosto mais de mim!”. Gargalhei.
Achei esse argumento de uma honestidade ímpar, tanto para ele mesmo quanto para o
interlocutor, no caso eu. Não tanto para a donzela, mas, vá lá, nem toda estória
tem final feliz para todos. Aliás, quase nunca tem. A questão é que normalmente
escondemos nossos interesses reais e colocamos a culpa no outro pelas nossas escolhas. Nesse caso, a fulana era ótima, gostava sim, mas não queria abrir mão
das demandas do ego dele. De qualquer maneira, a resposta foi genial, uma baita
auto-sacação.
Não
tenho a mínima pretensão de explanar uma conduta moral a ser seguida, não sendo
comigo, cada qual é livre pra trair quem bem entender. O ponto neuvral seria
muito mais a capacidade de auto-compreensão dos indivíduos moderninhos - que está bem afasada. Para além
de sermos miméticos, temos que 1) imitar, 2) explanar e 3) colher as curtições.
Isso dá um trabalho enorme e arquitetar uma felicidade (nem que seja falsa)
nunca foi tão difícil, afinal, temos fiscais. Fiscais do peso, da carreira, do
amor, fiscais de mêmes. E quem me dera fosse só o Tio Sam vigiando, pelo menos
era da família. Um tera de pessoas inspecionando umas às outras, sem que
tenham, ao menos, uma relação próxima. Eu também fofoco virtualmente, não sou
santa, nem boba - minha valia é que não sou tão curiosa, então levo bem minha
ignorância.
Lembrei
também de uma explicadora que eu tive, que era alto nível. Ela era esperta,
versátil e fez uma mini-escolinha no quintal de casa. Alunos de várias séries.
Meu sonho era passar no colégio militar, mas não tinha dinheiro para pagar o
Curso Martins, então, fiquei aqui no bairro mesmo, por sessenta reais. Passei
para FAETEC e fiz diversas coisas em visual basic. Tenho o meu glamour, dá licença.
Ela
trabalhava sem parar. Na minha formatura de oitava série ela foi e eu fiquei
estourando de orgulho. Ganhei uma medalha de melhores notas, achei tudo o máximo.
Sobretudo vê-la de cabelo penteado, com roupa de sair. Isso tomou uma dimensão
tão grande dentro de mim que não lembro se meus pais foram. Ela era minha
mestre, que sabia todas as matérias e me explicava tudo o que não conseguia
entender. E há até poucos meses eu tinha todo o material que ela havia
confeccionado para mim naquele ano. Guardei alguns favoritos e o resto deixei
ir.
Toda vez que passo em alguma prova, uma coisa bem difícil, eu lembro dela, nunca ninguém confiou tanto na minha inteligência. Eu chegava com um problema de matemática sem solução, muito angustiada, ela olhava e me dava uma bronca: “Não quero ouvir eu não sei. Você não fez porque você não quer. Quando quer, resolve.” E eu resolvia. Ela me ensinou a ser persistente, como não conseguia confiar em mim mesma, confiava na palavra dela.
Nos últimos dias, fiquei imaginando batendo
na porta dela e contando que passei no vestibular, que passei na prova pra
tirar habilitação (que sufoco!), passei na prova do mestrado, na prova do
emprego que eu queria. Queria contar que já corri 10km, que já subi montanha.
Iria ser bacana ouvir aquela risada, como se eu estivesse fazendo uma estripulia:
“você é fogo na roupa!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário