Tenho minhas unhas rosas, mal pintadas, mal
limpas. Tenho um coração encardido de tantos amores malpassados. Tenho um peito
aberto de vazio, cheio de enxertos e carcaças. Vivi entubada em mim mesma,
encolhida nos meus pés, longeando da cabeça. Não quero pensar. Não quero
sentir. Quero caminhar. Andar não desdiz ninguém. Ir não destrona: afasta
e lambe-se o silêncio dos passos.
Vivo a construir pequenos relatórios
mentirosos, do que fiz e do que sigo sendo. Eu estou, sem gerúndios, num
presente bem marcado. Estou pétalas voando para o chão. Estou neve pouca que se
dissipa pelo ar. O que congela, mas não tomba. O que se esfrega no meio e se
alonga. Sem pressa, sem alvo. Sem lugar.
Vivo como ser etéreo inventado em outra
linguagem, engolido por nada. Transito impune pelas ruas deles. Como a comida,
vejo seus olhos, sorvo seus cabelos. Me esgueiro entre as frestas e aspiro como
amam, o que sentem, o que soam. Faço igual, faço diferente. Engulo tudo,
mastigo e cuspo.
Como morder borracha, como chupar capim, como
lamber o mel, como beijar a água. Como me derreter em momentâneas sensações de
solidão desamparada, para me derramar na delícia de estar só.
Sou calma e lago. Um sábio de bochechas caídas.
Sou bruxa fazendo poções para seus gatos. Sou o contentamento do instável. Sou
a beleza da brisa no mar. Sou o último pensamento antes de dormir. Sou à Deus.
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