7.8.12

See saw


Por onde começar? Talvez com uma música ao fundo. Com uma viola tocando afinada, uma mulher espanhola com cigarro na boca e olhos murchos e um pandeiro, tocando, tocando. E uma paçoca empapada na minha boca. O ônibus passando e levantando poeira. Um cara ensebado sentado de perna aberta na calçada, um cachorro que mija na bicicleta.

Ou quem sabe o melhor cenário fosse um lago de gelo. Com focas sufocando lá embaixo e um esquimó perigoso afiando uma faca, comendo peixe cru. Um lobo lambendo as patas no Ártico.

Por Deus! A vida é tão rotineira. É escovar os dentes todos os dias, muitas vezes.  E beber água, muita água. Lava o cabelo. Mas o cabelo suja. Sorri. Mas depois chora. Lê para imaginar a história dos outros.

Não eu, ah caro capanga do faroeste, resolvi inventar coisas na minha cabeça. E para um cachorro mijador invento jatos venenosos exterminadores de formigas cósmicas. A mulher gorda que corre na orla: uma alienígena macrobiótica intergalática.

Cada um se vira como pode. Talvez você tome psicotrópicos, não corte as unhas, em depressão: profunda! Eu não. Eu invento. E minha última invenção foi acreditar que em breve vou receber boas notícias. E acordo cedo e checo: se meu cabelo não cresceu mais do que o normal, pego o extrato do banco para ver se não ganhei muito dinheiro, pergunto aos meus pais se eu sou a filha favorita, vejo se a mercearia não está vendendo batata palha mais barato. Porque alguma coisa boa tem que acontecer. Nem que seja eu aprender a dançar bolero. Andei ouvindo que a vida não é só lamento não.

Então, como andei envolta de lamúrios devem estar chegando as boas novas. Logo logo. E eu tenho que estar pronta. Me acostumando a sorrir muito e ter um slogan de sucesso. "O importante na vida é acreditar."; "Malhe os glúteos, sempre." Algo que remonte a tempos antigos e dê a impressão de perseverança. Porque eu decidi que vou ser perseverante.

Certo, e você aí me olhando com essa cara de nojo. Todo entediado, come mais chocolate que arroz, já tem acne até dentro do nariz. Deixa essa esperança florescer dentro de mim, oras. Que mal faz ser feliz no meio do sofrimento? Que mal faz acreditar que o dia nasceu pra me dizer" bom dia, chuchu"?

E a realidade não é cheiro e gosto? E o cheiro cada um sente por si e o paladar só apetece a mim. Tudo meu. As sensações são minhas e delas construo um mar de delícias. De faz de conta. Essa coisa rala e monstruosa que é o medo. Medonho medo. Medo de abrir o peito e ir aos limites de nós mesmos. De sentir nossas vísceras e inalar todo o ar do mundo. Medo de perecer de alegria. Medo. Medo.

Não se engane. Desistir não machuca, desistir é engolir-se a si mesmo, sem mastigar. E viver dentro de si, confortável, sem ter que se esfacelar. Desistir é tomar café depois do almoço, com pernas cruzadas e vendo tv. Não é nada demais. É comer comida da avó. É continuidade.

Eu não. Sou nova demais para esse hábito desgraçado de ficar onde caiu. Já levantei e dei uma volta no quarteirão. Para ver a vizinhança do meu peito. Apenas uma queda. Uma queda fenomenal. Daquelas que mata muita gente, mas eu, só me matam mesmo quando eu morro. E não estou com disposição de morrer por enquanto. Jovem demais para essa rotina remelenta de defunto.

O bom de viver sem estar morrendo é que a gente pode gargalhar, mesmo no meio desses destroços, a gente pode rir a beça. E com um riso no estômago a gente vai lançando os pilares de novo. E faz ainda melhor, planta ainda mais flores. Além do que, com Deus fica meio difícil de se infelicitar: se tudo der errado ainda tem o céu, com toda sorte de pães doces celestiais.

Entendeu?

Então relê. Ou inventa.

2 comentários:

Karol disse...

Oh, God! Imagina se eu morresse toda vez que caísse? rs

Fernanda. disse...

siiiiimmmm, pães doces celestiais! viva!