20.1.13

E se não, meu bem?


E se não, meu bem?
Aqui dentro repousa um lagarto preguiçoso, amigo de Monteiro Lobato, pegando sol com Emília, querendo fazer ele mesmo a reforma ortográfica. Tanto o lagarto quanto Lobato querem mudanças. Querem petróleo. Os dois.

Virando a esquina achei um mundo de Lewis com a Dama verde e o rei. Com um mundo aquático todo dourado. Ela luta contra um algoz o tempo todo. Uma Eva com várias tentações.

E aí, quando abro os olhos. Nada de tão bom assim. Um monte de questões jurídicas insolventes, devedoras. E uma cartilha. Viver, empregar-se, casar-se, morrer-se. Só a vida teima mesmo em não ser reflexiva. E nem dá. Porque cada palavra é roubada da minha língua e cada sonho é sugado de dentro da minha testa - onde vivem os pensamentos nascentes.

O que vejo, muito claramente, é que para viver é preciso rasgar algo. O que te pedem, rasga. O que é fácil, rasga. Cochilo de alma, rasga.  É uma picada bem estreita, um passo-a-passo infinito. Eu estou achando que é assim. Qualquer dia pego o macete de ser feliz. Meu único medo é que a felicidade seja impronunciável. Confesso que ando meio desconfiada disso: que quando uma alegria profunda se debruça na gente, some o anúncio e decanta um silêncio. Como que uma cripta para o segredo.

E aí, quando abro os olhos, vejo um lençol listrado branco e azul. E meu primeiro pensamento do dia é: mar de ondas. Bonita minha cama. E fico mais ali. Rememorando. Imaginando pessoas e lugares. Fungando o passado. Misturando com um futuro psicodélico. Onde sou dona de casa ou policial ou atendente de telemarketing. Com cabelos loiros ou careca e fétida. Olhos pros meus livros. Tanta gente já me ensinou tanta coisa. E o que eu disse?

O que vejo, muito claramente, é o escuro. E vejo que quase tudo que me pedem eu nem quero dar. E aí sossego. Com ganas de sobreviver a esse mundo devorador. Escondo meus delírios, esperando o tempo de desenterra-los. Fico com fé em mim mesma, de que seria leal aminhalma.
E se não, meu bem?

Sentei no colo de mim mesma e me pus a me ninar. Para me consolar das partidas e dos desenganos e dos amores mortos. Estou triste não, meu bem. Só estou aprendendo a olhar melhor as cores. Um baque surdo. Aquela despedida parece que nunca acaba.
O que é fácil, renasce. Mas.
E se não, meu bem?

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