Paris é um frio dos infernos e de nada serve o
rio Seine. Ela mete a mão nos bolsos de seu casaco verde musgo em busca do
isqueiro. O frio faz seus ossos trepidarem. Resoluta, com seu queixo quadrado e
lábios finos, puxa o cigarro, pendura na boca ressecada e produz uma chama em
frente aos olhos. Como que enfrentando o fogo, como que tragando a essência do
mundo.
Liz se afastou do grupo, em parte para não
levar fumaça, em parte para não levar o grupo. Naquele exercício solitário de
reflexão e vício, Matthieu se aproxima. Naquela altura, não sabíamos seu nome.
Eu, como narradora, só poderia relatar que ele usava uma calça justa ao estilo
francês, uma jaqueta de couro ao estilo argentino, uma pulseira ao estilo
peruano e uma cara bonita ao estilo universal.
-Tu as feu? – ele perguntou, como quem anda de
pijamas no Coliseu.
Ela disse que tinha fogo e entregou um isqueiro
bic cor de rosa que trouxe do Brasil. Ela fumava como quem sobrevivia de uma
catástrofe, traumatizada, com os cotovelos presos nos quadris, com um suspiro
de fumaça lento e sofrido. Ela era dos trópicos de Capricórnio. Ele era do
norte da França, com ancestral do pé grande glacial, fumava com um cabelo loiro
que reluzia. Caía no olho e ele ficava sem ver. Um cabelo cintilante, daqueles
que brilham no escuro. Cabelo, cabelo? Mas e os olhos? Mesmo como narradora não
dou conta de lembrar a cor dos olhos dele. Eram meigos, meio verdes, tombados
no final. Olhos de quem já viu o amor. Olhos de quem já riu. Mas ali, eram
olhos para os barcos estéreis do Sena.
As luzes eram alaranjadas, a conversa dos
outros virou um bruit e eles foram ficando cada vez mais a sós. Ela sentou num
pequeno pilar de ferro, que servia para a ancoragem dos barcos. Ele resolveu
que era o momento de colocar os nós dos dedos na cintura. E fizeram companhia
um para o outro em novembro. Num dia qualquer que só Deus tem registro.
Inesperadamente, Matthieu pousou as mãos sobre
a cabeça de Liz. Ela se encostou nas pernas dele, segurou suas panturrilhas e
esticou as próprias pernas. Ele agachou e nos ouvidos de Liz disse: Vem (em
francês não traduzível). Ela foi. Foi parar no parquinho alpinista das
crianças. Que fica do lado direito do Sena, antes da Ponte Alexandre III, onde
há pelo menos duas fontes de água gasosa. O chão parece de asfalto mas é meio
molenga. Ele a sentou num brinquedo
indecifrável para os latinos, segurou nos seus joelhos. Ela tinha uma franja
recém cortada em Montmartre e veias minúsculas nas bochechas. Ele olhou. E
olhou.
E ninguém sabe o que aconteceu depois.