20.11.09

Zumbi

Tem horas que a gente cisma e é um sacrilégio daqueles. Veja bem, hoje é dia de Zumbi, assim, sorumbáticos mesmo, comemoraríamos o dia. Da consciência negra. Eu, meio pálida, fiquei observando a falta de honraria.

É que hoje, caminhando pelo meu bairro Americano, vi uma feira. E pensei: “Ora essa, não é feriado?”. Não. Ó, não! Meu corpo tremeu todo diante daqueles melões e morangos e laranjas. Uvas sem caroço. Bem no dia de Zumbi, ali, sendo comercializadas. Frutas em troco de dinheiro. Aquele capitalismo selvagem, de pessoas com olhos coloridos, com caldo de cana dentro da boca. Fiquei horrorizada.

Foi quando gritei. Larguei a bolsa que carregava, abri a boca bem pro alto e gritei. “Não!”. Enchi os pulmões e prolonguei as vogais o máximo que pude. Mas não deu certo, não deram a mínima bola. Meu descontentamento foi enorme quando uma jovem senhora pediu licença, porque queria ver os kiwis e eu estava na frente.

A minha reação foi correr, procurando meu lar. Chegando, vi meu irmão dando banho na cachorra. Ufa. Banho em cachorra. Só em dias especiais. Acredite. A paz então recobrou seu espaço e me aquietei.

Almocei. Fui dormir. Aquele soninho dos justos. Cochilei suando no verão que se instalava no meu quarto. E só acordei porque, pasme, um senhor começou a gritar na minha janela.

Atordoada e de pijamas ridículos, eu disse: “Meu senhor, eu estava dormindo e o senhor gritando me despertou. Fale em voz silenciosa, por favor.”

O senhor me falou: “Querida, sou vendedor de flores, não gostaria de comprar pétalas?”

Sonolenta, respondi: “Mas hoje é feriado, é dia de fazeção de nadaísmo.”

Resignado, o vendedor proclamou: “Então lhe vendo flores em botão. É flor de nada.”

Perguntei: “E quanto custa?”

O vendedor sorriu: “Custa um amor.”

“Não tenho.”

“Nenhum? Nem no passado?”

“Serve do passado?”

“Não.”


O vendedor ficou todo triste olhando pro chão e arrumando as pedrinhas com a ponta dos pés. Até eu fiquei decepcionada, logo num feriado tão consciente acontecer uma coisa dessas. Passou um tempinho e o sol começou a murchar também, o céu ficou todo desmantelado, deixando as cores escoarem pelo horizonte. Como já estava anoitecendo, resolvi permanecer de pijamas.

Sentei do lado da cama. O vendedor permanecia lá fora, empunhando as flores. Sentou na calçada. Quando a noite chegou mesmo, a lua veio fininha, pois estava desanimada com a notícia.

“Falta à moça um amor”, diziam.

Lá estava a lua. Fingida. Toda boazinha e delicada.

O vendedor começou a cantar, era uma música tão linda. O vento se sentiu mais leve e começou a soprar a melodia. Eu fui ouvindo. Ele cantava sobre amores extensos e profundos. Sobre pegar de mão, sorriso trêmulo.

E eu lá sentada, na minha cama de madeira. Com lençóis de cor clara. O pesar não se colava no meu peito, pelo contrário. As ondas do som fluíam e meu cabelo ficou mexendo suave. Gostoso.

 Acabei adormecendo de novo. Dia de feriado sempre me bate um cansaço. Lá dentro dos meus olhos fechados, senti me beijarem a testa e me falarem baixinho: “Um dia lhe trago suas flores, meu bem.”

3 comentários:

.gustavo pereira disse...

sério que não tinha reparado serem comentários uma possibilidade neste blog-blog seu - dito isso, fica a dúvida: já tinha percebido antes, até comentado, e esquecido? será? seria... seria embaraçoso. é. bem, primeira vez, ou segunda... mas não última. o importante é dizer que gosto da idéia de comentar. e gosto mais de ler... continue postando.

Unknown disse...

lá dentro dos meus olhos fechados também espero, mas tem hora que bate um cansaço.
belo texto, Vivs!

Priprioca disse...

Primeiro comentário, por certo! e hj é meu dia de dizer que vc alegra meu tempo. rs
Gostei da nova cara do blog...ñ sei mto das letras rosas...rs. o txt teve certa mudança do meio pro final...acho q o feriado acabou sendo longo demais! rs