15.7.13

Parte 3. The grey

Eu acordei com os lábios secos, machucados na parte inferior. A temperatura estava amena, um vento gelado balbuciava qualquer coisa que eu não conseguia entender. O sol se punha no oeste. Eu deveria seguir o sol? O que ficava nessa direção? E se fosse a África, se fosse Portugal. O que existia à oeste de mim?

Das vezes que eu naveguei, meu rumo era algo visível, eu simplesmente seguia uma imagem. Dessa vez, o mundo ficou invisível aos meus olhos. É isso que a ignorância faz, apaga os caminhos. Se eu remasse, gastaria mais energia, mas ficar parada me parecia covardia e não queria conviver com esse símbolo. Era mais difícil agonizar assim. Decidi remar na direção oeste.

Meus pensamentos ficavam dançando. A sensação morna de que haviam me degolado e eu via lentamente o fim se arquitetar. Uma planta seca. morta. num vaso de cimento num apartamento empoeirado do Bairro de Fátima. Cigarros que eu nunca fumei. Revistas velhas com sorrisos afetados. Vi um cardume prateado, peixes altamente comestíveis. Queria que eles pulassem para dentro da minha boca. 

Estava escuro e eu não conseguia ver direito. Ele estava encostado na parede. Na praça. Um homem tocava violão e cantava, um amigo gordo era baixista. Muito bons. O cantor olhava para mim e eu olhava para o rapaz de blusa cinza. Todos sem conseguirem enxergar. O cantor cantava para mim e eu sorria para ambos. Porque queria a música. A blusa cinza sorriu para mim. Eu sorri de volta. O cantor gemeu a desilusão com o Roupa Nova. Ele tinha uma cabeça cheia de cabelos para o alto, dourados do sol. Fiz que sim com a cabeça e ele se aproximou. Ficou do meu lado na escada. Apertou os olhos. O cantor apelou para Frejat. Eu sou o Guto. Oi, Guto. Silencioso. Observava o movimento das pessoas. O cantor cantava de olhos fechados. Acabou o show. Eu me sentia com mil mãos e braços que eu não cabiam em nenhum lugar. Senta aqui, ele disse. Quer alguma bebida? Não - meu coração acelerou. Comprei para nós, não fica com vergonha, pode tomar, é nossa. Uma cerveja long neck. Já vi você na praia, você chegou na sexta. Já vi você indo comprar refrigerante. Até quando você fica? Eu fiquei surpresa. Ele descrevia minha roupa, o horário. Fico 15 dias. E ele sorriu. Deliciosamente, ele sorriu. Vou no banheiro. Fiquei esperando na praça, mas ele não voltava. Tive vontade de chorar, ali perto uma televisão expunha, impunemente, o show  do Exaltasamba. Você é a mulher do Guto?

Sou. Ele está machucado lá dentro. Entrei no bar como esposa determinada e vi a testa dele sangrando. O que houve? Sei lá, eu acordei muito cedo, a fila do banheiro estava demorando muito, sentei aqui para esperar, caí no sono, de repente senti uma pancada. Devo ter apagado mesmo, deixei a cabeça tombar e bati na ponta da mesa. Olhei assustada, tinha pouco sangue. Todos olhavam para ele. Eu sorri, mas ele ficou sério, balançava a cabeça. Desculpa. Não tem problema, eu pensei que você tinha me abandonado, mas só estava tirando uma soneca, né? Nossa, que mancada, demorou muito? Um pouco. Ele só olhava para o chão. Vou leva-la para sua casa. Segurei a mão dele e catei aqueles olhos castanhos. Ei, não faz mal. Isso acontece. Sorri, com os olhos, cílios, nariz. Até que a gente se desmontou numa gargalhada, aquele riso bem aberto. E começamos a elucubrar, inventando versões das mais variadas. Seguramos nossas bexigas, nos apoiamos nos joelhos, choramos. E aí ele me beijou. E foi como se eu tivesse beijado o mar, ele surfava meus lábios. Um tubarão beijando um peixinho. Abri os olhos e vi milhões de estrelas. Uma nuvem passava baixa, achamos aquilo bonito. Ele me disse que estava apaixonado. Disse que era de leão e que me apresentaria todos seus amigos. O cantor passou, no outro lado da calçada, arrastando o violão. Ô, Guto. Ve-lo vindo, com a bermuda meio arriada, queimado de sol, quente depois do dia de mar. 

Oeste.

[continua...]



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