Era uma vez uma cidade real, onde muitos se conheciam e outros tantos se indiferenciavam. Pepita vivia na cidade realeza com modesta vivência, era uma jovem pálida e quieta.
Entretanto, havia algo em Pepita de desdizia sua existência, pois que se a menina se movia, tragava toda a vida para perto de si e se sorrisse, as rosas desabrochavam de prazer. Pepita era repugnante e singela, uma dessas criaturas místicas que evitamos nos apegar.
Por sua forma de balançar mundos, suave e melodicamente, Pepita era pessoa notável. Conhecida por sua bondade, Pepita se ia, repetitiva.
Até que um dia um mal sobreveio. A jovem ficou tão triste e tão pálida como sempre foi. Só que agora, sem mais contrapontos e contrapassos. O mal machucou Pepita e ela ficou doente, feito planta murcha no inverno.
Ela
tentava
respirar
mas não conseguia. E por solidão e desespero só, chorava.
Ela vivia naqueles tempos medievais e frios e usava uma touca branca que cobria seus cabelos. Usava vestido cheio, com avental por cima e sujo de carvão.
E assim, ela chorava, vestida bem dela mesma. Em tempos remotos, de calabouços e princesas.
Alguns passarinhos observavam a mocinha, tristonhando por ela. Mas gente de humano, apenas uma apareceu. Chamava-se Fine e era mulher pequena, magra e aguda. Fine trouxe pedaços de cores, trouxe pedaços de terra, trouxe pedaços do favorito. E Pepita se apegou a Fine, criando para ela regra de exceção.
Depois.
Fine foi dizendo para Pepita que não esbravejasse contra os abandonantes, pois que queriam ter sido chamuscados pelo fogo que consumia Pepita, mas que não deu, por vontade não foi. Por vontade tinham sido tão trucidados quanto a jovem. Por desejo eram próximos e por desejo, confiáveis. Que perdoasse, a Pepita, a falta deles.
Pepita viu-se boba tola, e como quem resolutamente mete a mão no piano e toca uma nova canção, cancionou. E todos dançaram e todos celebraram. Até cansarem, até adormecerem.
E Pepita então parou, para se unir a eles e descansar. Porém, enquanto caminhava para o aconchego, viu o mal etiquetado, no bolso de cada um deles.
Deu, riso, música e paz para quem quase lhe comeu os olhos. Sua esperança foi estrangulada. A jovem pegou-se toda ela, abandonou as roupas reais e descambou-se para o reino da fantasia.
27.7.09
23.7.09
ração: parte de tudo
“Mas que até razoável tem limite?”. “Eita!”. “Mas se é razoável pronto está sempre.”
Como narrador fiel, transmitirei o pensamento bruto, daquilo que ela dialogava em seu monólogo: “se razoável é coisa boa e equilibrada não deveria de ter limite. e se me dizem que nada demais é bom, digo logo: hipócrita. ser feliz ilimitadamente é crueldade? deve por algum acaso ser evitado? certo que não. parando de despistar, engatinho para o bucho desse raciocínio. a razão precisa de um limite e não o razoável. isso que cabe na compreensão. razoável é a razão fazendo ponderação, se esforçando ao máximo para minimizar equívocos. razoável é fugidor do erro ou enfrentante, se preferir. na medida que:
ou foge carregando o que é importante, faz uma trouxa nas costas e se afasta correndo para que o deslize não tropece no cidadão protegido ou saca uma espada e lança a trouxa para trás de si, impedindo o ferimento do protegido cidadão. fugido-corrido ou parado-espadado é situação de valentia. razoável é questão corajosa e a razão fica boba boba por ter esse atributo. só que o erro sempre beija a face dos humanos. o que demonstra a simplicidade da ruína dos conceitos. a verdade vitoriana é que em alguns momentos o erro será uma etapa e não se deve abortar o processo por conta disso. e se aprende a desequivocar-se. é normal. então é que o cidadão protegido vitoriano é aquele que pega no ombro do razoável, inclina a fronte para dizer: quero tentar, razão. e finca limites do suposto razoável. assim cabe na imaginação e se entende melhor.”
Como narrador fiel, transmitirei o pensamento bruto, daquilo que ela dialogava em seu monólogo: “se razoável é coisa boa e equilibrada não deveria de ter limite. e se me dizem que nada demais é bom, digo logo: hipócrita. ser feliz ilimitadamente é crueldade? deve por algum acaso ser evitado? certo que não. parando de despistar, engatinho para o bucho desse raciocínio. a razão precisa de um limite e não o razoável. isso que cabe na compreensão. razoável é a razão fazendo ponderação, se esforçando ao máximo para minimizar equívocos. razoável é fugidor do erro ou enfrentante, se preferir. na medida que:
ou foge carregando o que é importante, faz uma trouxa nas costas e se afasta correndo para que o deslize não tropece no cidadão protegido ou saca uma espada e lança a trouxa para trás de si, impedindo o ferimento do protegido cidadão. fugido-corrido ou parado-espadado é situação de valentia. razoável é questão corajosa e a razão fica boba boba por ter esse atributo. só que o erro sempre beija a face dos humanos. o que demonstra a simplicidade da ruína dos conceitos. a verdade vitoriana é que em alguns momentos o erro será uma etapa e não se deve abortar o processo por conta disso. e se aprende a desequivocar-se. é normal. então é que o cidadão protegido vitoriano é aquele que pega no ombro do razoável, inclina a fronte para dizer: quero tentar, razão. e finca limites do suposto razoável. assim cabe na imaginação e se entende melhor.”
Pedaço de um todo
O que Arlindo bem sabia era que Dorinha era a paixão da vida pequena dele. Era a pureza dele e ele que não era mau moço que era tipo de gente desejante ável por muitas. Ele parou com o mundo e tudo e ficou perambulando pela vida todo cheio de ramos de esperança, sem saber onde plantar ele sabia era que Dorinha que não o queria e sofria por isso.
Não entendia mais porque se lavavam roupas ou porque persistiam as meias. Se não podia ter Dorinha. Se não podia pegar suas mãos envolver seu rosto com vocábulos de carícias. Ele compôs canções esqueceu de ser homem prático e vivia agora com poemas os escrevia nos muros da sua cidadela. Nos campos o que via era o serenar do vasto e isso dava um cansaço tal que se sentava no meio do trânsito de seus sentimentos. Sentia-se frágil e vulnerável. Aquela mulher tão vivente lhe arregaçara a vida, alargara suas mangas e agora estava frouxo de si mesmo.
Não entendia mais porque se lavavam roupas ou porque persistiam as meias. Se não podia ter Dorinha. Se não podia pegar suas mãos envolver seu rosto com vocábulos de carícias. Ele compôs canções esqueceu de ser homem prático e vivia agora com poemas os escrevia nos muros da sua cidadela. Nos campos o que via era o serenar do vasto e isso dava um cansaço tal que se sentava no meio do trânsito de seus sentimentos. Sentia-se frágil e vulnerável. Aquela mulher tão vivente lhe arregaçara a vida, alargara suas mangas e agora estava frouxo de si mesmo.
18.7.09
Dorinha (vem)
A vida, Dorinha
Senti necessário um narrador em terceira pessoa. Alguém para acompanhá-la nessa saga, nessa tristezinha que você está. E como você, Dorinha, começou falando sobre conceitos, preceitos e conclusões, faço o mesmo para não lhe surrupiar o estilo. Venha comigo Dorinha, que hei de dar-lhe um final feliz.
Dorinha pensava muito e sempre que pensava inventava umas firulas para sua existência. Dorinha não parava de entender o que era vida e, nessa etapa, percebeu o quão importante foi refletir sobre os tempos verbais (presente, passado e futuro). Digo tempos verbais, porque, ainda que não percebesse, Dorinha era extremamente gramatical. Pensava em letras e se apegava a um pedaço de papel mais do que a ouro e a diamantes. Pensando, pensava Dorinha que letras são jóias que acabam morando dentro de nós.
Por isso, ao pensar nos tempos -ditos verbais- concluiu quase que espontaneamente o que vem a ser a vida. A vida, ela dizia em sua meditação, é o que acontece entre o futuro e o passado. A vida não é o agora, porque agora é instantâneo. A vida é uma linha contínua de agoras, um período, um pedaço de tempo fluido que transita entre o mistério do que será e o conhecimento do que já foi. Isso é a vida.
Dorinha sentiu-se feliz. Pois, pela primeira vez, sentiu-se livre do tempo. Agarrou-se a vida sem nomenclaturas. Um alegria tão calma, ficou mansa e adormeceu. A Dorinha, nossa mosquinha.
Isadora sonhou depois de muitas e muitas noites sem dormir. E isso lhe deu um prazer tão cru, que interrompia-se no próprio sonho na afobação do que acontecia. Era coisa de estória simples, daquelas que continuamos em um filme eterno e esquisito. Fato é que sonhava e era o bastante, pelo menos por hora.
Foi ligeiramente desagradável quando surgiu um pretendente antigo, ali, no meio da cena. O problema era que o tal insistia em participar, embora a menina o afastasse. Ele vinha cheio de olhos e de face. Dorinha se lembrou do ritmo dele, do tipo de movimento que ele tinha. Seu nariz era particularmente bonito. Assim, acabou-se a festa: a realidade chegou rendendo a todos e tiveram que entregar a fantasia. Acordou-se querendo dormir.
A garota - chamo assim porque já sou narrador mais antigo-, a garota percebeu que nem em mundos inventados conseguia a paz de um amor tranquilo. Ficou enraivecida, como era de se esperar. Fazia um frio ensolarado nesse dia, pelo que pegou um agasalho modesto e saiu-se para passear. Escolheu um parque daqueles com árvores quietas e abundantes. Sentou no banco e inutilmente teve esperança. Depois de alguns minutos já estava como um ramo que quebra e fica pendurado ao caule, como se vivo estivesse, morto que está. Vivia assim, Isadora.
Daqui para frente chamarei de Isadora, por questão de respeito puro. Aquela linda criatura feita de gente. Isadora estava cheia de areia por todos os lados, o deserto lhe cobriu e ela serviu de monte, de trecho igual. Coitada, tão alheia a ela mesma, tão só de si.
A Isadora queria esparramar, mas virou-se gota de novo. O final feliz que lhe proporciono é o que os velhos e sábios dariam. Achar nesse agora esticado que é a vida algo que não a compensação da felicidade. Como narrador onipotente, instauro em Isadora um esquecimento total de seus sonhos impronunciáveis.
Isadora notou-se diferente. Havia uma leveza tão particular tão boa. Alívio. E se deu conta que seus sonhos haviam sumido. Sem desespero. Alívio. Para mostrar que alguns ideais devem ser abandonados, Isadora vestiu-se de flor e desabrochou. Silente, intrinsecamente.
O narrador e a Isadora concluíram que soluções das mais diversas são possíveis. Conceberam que nem sempre o que dói é o pior. Que há sonhos podres e é preciso limpar-se.
Senti necessário um narrador em terceira pessoa. Alguém para acompanhá-la nessa saga, nessa tristezinha que você está. E como você, Dorinha, começou falando sobre conceitos, preceitos e conclusões, faço o mesmo para não lhe surrupiar o estilo. Venha comigo Dorinha, que hei de dar-lhe um final feliz.
Dorinha pensava muito e sempre que pensava inventava umas firulas para sua existência. Dorinha não parava de entender o que era vida e, nessa etapa, percebeu o quão importante foi refletir sobre os tempos verbais (presente, passado e futuro). Digo tempos verbais, porque, ainda que não percebesse, Dorinha era extremamente gramatical. Pensava em letras e se apegava a um pedaço de papel mais do que a ouro e a diamantes. Pensando, pensava Dorinha que letras são jóias que acabam morando dentro de nós.
Por isso, ao pensar nos tempos -ditos verbais- concluiu quase que espontaneamente o que vem a ser a vida. A vida, ela dizia em sua meditação, é o que acontece entre o futuro e o passado. A vida não é o agora, porque agora é instantâneo. A vida é uma linha contínua de agoras, um período, um pedaço de tempo fluido que transita entre o mistério do que será e o conhecimento do que já foi. Isso é a vida.
Dorinha sentiu-se feliz. Pois, pela primeira vez, sentiu-se livre do tempo. Agarrou-se a vida sem nomenclaturas. Um alegria tão calma, ficou mansa e adormeceu. A Dorinha, nossa mosquinha.
Isadora sonhou depois de muitas e muitas noites sem dormir. E isso lhe deu um prazer tão cru, que interrompia-se no próprio sonho na afobação do que acontecia. Era coisa de estória simples, daquelas que continuamos em um filme eterno e esquisito. Fato é que sonhava e era o bastante, pelo menos por hora.
Foi ligeiramente desagradável quando surgiu um pretendente antigo, ali, no meio da cena. O problema era que o tal insistia em participar, embora a menina o afastasse. Ele vinha cheio de olhos e de face. Dorinha se lembrou do ritmo dele, do tipo de movimento que ele tinha. Seu nariz era particularmente bonito. Assim, acabou-se a festa: a realidade chegou rendendo a todos e tiveram que entregar a fantasia. Acordou-se querendo dormir.
A garota - chamo assim porque já sou narrador mais antigo-, a garota percebeu que nem em mundos inventados conseguia a paz de um amor tranquilo. Ficou enraivecida, como era de se esperar. Fazia um frio ensolarado nesse dia, pelo que pegou um agasalho modesto e saiu-se para passear. Escolheu um parque daqueles com árvores quietas e abundantes. Sentou no banco e inutilmente teve esperança. Depois de alguns minutos já estava como um ramo que quebra e fica pendurado ao caule, como se vivo estivesse, morto que está. Vivia assim, Isadora.
Daqui para frente chamarei de Isadora, por questão de respeito puro. Aquela linda criatura feita de gente. Isadora estava cheia de areia por todos os lados, o deserto lhe cobriu e ela serviu de monte, de trecho igual. Coitada, tão alheia a ela mesma, tão só de si.
A Isadora queria esparramar, mas virou-se gota de novo. O final feliz que lhe proporciono é o que os velhos e sábios dariam. Achar nesse agora esticado que é a vida algo que não a compensação da felicidade. Como narrador onipotente, instauro em Isadora um esquecimento total de seus sonhos impronunciáveis.
Isadora notou-se diferente. Havia uma leveza tão particular tão boa. Alívio. E se deu conta que seus sonhos haviam sumido. Sem desespero. Alívio. Para mostrar que alguns ideais devem ser abandonados, Isadora vestiu-se de flor e desabrochou. Silente, intrinsecamente.
O narrador e a Isadora concluíram que soluções das mais diversas são possíveis. Conceberam que nem sempre o que dói é o pior. Que há sonhos podres e é preciso limpar-se.
15.7.09
Dorinha
Outro dia estive pensando: que é o futuro senão pingo caído no chão? Pingo de chuva morto no chão, vem do céu cai na terra, vira lama. Futuro é isso, não se engane. Em algum lugar o ‘agora’ se chama ‘tempo real’, e todos querem. O tempo real. E o que é o passado então? Tempo ficto. Deve de ser. Deve de ser. E com caraminholas na cabeça, não me sai dos pensamentos que o presente para mim é o mais utópico, é sensacionalismo, fantástico em demasia. Não gosto de viver de futuro, porque esse inventar me cansa, são tantos caminhos e sóis. Gosto de beber do passado, rememorado e findo. Refaço notícias gordas e frescas. É o que gosto. O passado me alimenta e se projeta em meus olhos, vejo tudo medieval, meus vestidos se alongam e rendas brotam em meu colo. Gosto dessa nostalgia inventada, de fazer do mesmo fato milhões de estórias. Reler e reler, sem se prender ao verdadeiro.
Melhor que o futuro, amigo do agora, cheio de surpresas nefastas, impregnado de acontecimentos podres. Não tenho fé no futuro, nem esperança no agora, o que me encanta é o passado. Arrasto-me sobre ele e absorvo seu cheiro de flor ida. Desde muito vivo sepultada, morreram e com eles me faleci.
Estava caminhando nas minhas próprias casas e senti um pingo de chuva cair em mim. Pode isso? A chuva perseguir os reclusos? Senti-me intimidada pelos céus, lotados de nuvens molhadas. Vez por outra, me pego andando pela rua e sendo gotejada, pingo único só para mim, demonstrativo de que não existem tetos: somente céus e infernos.
Isadora é nome meu. Nome de dor poderosa. O mundo sente-sabe quando nasce uma fagulha de destroço, nasci-me, desde pequena nasço sempre. Já fui de todo jeito, já comi todo tipo de comida. Meus olhos que continuam mesmando e meu cabelo que continua em fios. De resto sou outra mulher. Dorinha que me chamam e eu atendo. Não sei porque sabem meu nome, quisera eu que se emudecessem ou que meus ouvidos se fechassem. Seria meu descanso, meu milagre.
Sempre esse abandono velado. Toda vez em prontidão, esperando quem me espanque. Dorinha, dizem, você é uma flor amarela pequena e pura. Dorinha, exalam, seu cheiro é bom e sua pele macia. Dorinha, pedem, deixe de estar e venha para eu ter. Dorinha, mentem, nada de mal lhe acontecerá.
Usam o diminutivo para aumentar minha vontade, vou-me rasteirinha, regando-me toda e inventando canções de amor. Trabalho por horas a fio, engulo arco-íris sem fim. Observo o dourado da palha. Recito minha crença antiga: existe o amor, existe amém.
Dorinha, explicam, tenha paciência comigo. Dorinha, calam. Dorinha, massageiam, você é mais bela que o som. Dorinha, concluem, vá embora tenho medo de amar. Abrupta socorro-me lentamente, pego minha crença mendiga, pedaço de papel desvantajoso, a guardo dentro da blusa, colada no peito, no quente do corpo. Com esperanças de que se transforme em viva com o calor do que me falta.
Por isso me apego ao passado, me aquietam os desastres já conhecidos, aquilo que já foi mastigado. Quando futuro, se rasgam os emblemas, fico sem escudos ou origens. Dorinha é que me falam, sou diminutivo de sofrimento simples. Pereço boba como uma mosca, mas brilho como uma estrela.
Esse é o meu lamurio, enfim, confundo a todos com uma realeza típica e inacreditável. De repente viro castelo, com flechas, armaduras, estalagens. Sem entender porque me fazem assim. Não há batalhas, grito afônica, sou imponente: mas também sou refúgio. A arma que fere também serve para defender. O muro que separa também ajuda a permanecer unido. A porta que fecha, encerra coisas valiosas. Nessa hora, meu nome vem completo de Isadora e se esquecem que sou mais borboleta do que princesa, vão destroçando tudo com demonstrações extraordinárias. Penso que sou Dorinha só para o que dói, para carinho miúdo e bom sou Isadora a deusa. Mosca-estrela, como sempre se diz.
Seguro firme minha crença imunda, devoro-a: fico grávida do que nunca será.
existe o amor, existe amém.
Melhor que o futuro, amigo do agora, cheio de surpresas nefastas, impregnado de acontecimentos podres. Não tenho fé no futuro, nem esperança no agora, o que me encanta é o passado. Arrasto-me sobre ele e absorvo seu cheiro de flor ida. Desde muito vivo sepultada, morreram e com eles me faleci.
Estava caminhando nas minhas próprias casas e senti um pingo de chuva cair em mim. Pode isso? A chuva perseguir os reclusos? Senti-me intimidada pelos céus, lotados de nuvens molhadas. Vez por outra, me pego andando pela rua e sendo gotejada, pingo único só para mim, demonstrativo de que não existem tetos: somente céus e infernos.
Isadora é nome meu. Nome de dor poderosa. O mundo sente-sabe quando nasce uma fagulha de destroço, nasci-me, desde pequena nasço sempre. Já fui de todo jeito, já comi todo tipo de comida. Meus olhos que continuam mesmando e meu cabelo que continua em fios. De resto sou outra mulher. Dorinha que me chamam e eu atendo. Não sei porque sabem meu nome, quisera eu que se emudecessem ou que meus ouvidos se fechassem. Seria meu descanso, meu milagre.
Sempre esse abandono velado. Toda vez em prontidão, esperando quem me espanque. Dorinha, dizem, você é uma flor amarela pequena e pura. Dorinha, exalam, seu cheiro é bom e sua pele macia. Dorinha, pedem, deixe de estar e venha para eu ter. Dorinha, mentem, nada de mal lhe acontecerá.
Usam o diminutivo para aumentar minha vontade, vou-me rasteirinha, regando-me toda e inventando canções de amor. Trabalho por horas a fio, engulo arco-íris sem fim. Observo o dourado da palha. Recito minha crença antiga: existe o amor, existe amém.
Dorinha, explicam, tenha paciência comigo. Dorinha, calam. Dorinha, massageiam, você é mais bela que o som. Dorinha, concluem, vá embora tenho medo de amar. Abrupta socorro-me lentamente, pego minha crença mendiga, pedaço de papel desvantajoso, a guardo dentro da blusa, colada no peito, no quente do corpo. Com esperanças de que se transforme em viva com o calor do que me falta.
Por isso me apego ao passado, me aquietam os desastres já conhecidos, aquilo que já foi mastigado. Quando futuro, se rasgam os emblemas, fico sem escudos ou origens. Dorinha é que me falam, sou diminutivo de sofrimento simples. Pereço boba como uma mosca, mas brilho como uma estrela.
Esse é o meu lamurio, enfim, confundo a todos com uma realeza típica e inacreditável. De repente viro castelo, com flechas, armaduras, estalagens. Sem entender porque me fazem assim. Não há batalhas, grito afônica, sou imponente: mas também sou refúgio. A arma que fere também serve para defender. O muro que separa também ajuda a permanecer unido. A porta que fecha, encerra coisas valiosas. Nessa hora, meu nome vem completo de Isadora e se esquecem que sou mais borboleta do que princesa, vão destroçando tudo com demonstrações extraordinárias. Penso que sou Dorinha só para o que dói, para carinho miúdo e bom sou Isadora a deusa. Mosca-estrela, como sempre se diz.
Seguro firme minha crença imunda, devoro-a: fico grávida do que nunca será.
existe o amor, existe amém.
11.7.09
Vexame
Sinto uma vergonha enorme uma vergonha existencial e medíocre um desejo insano
de apontar
para meus agressores e gritar: v o c ê f a l h o u c o m i g o.
Sair por aí distribuindo panos rasgados. Retalhos da minha carne.
Se me perguntarem: Dói?
Respondo: Dilacera
E se me perguntarem: fica?
Respondo: enraizei-me
E quando me machucarem, urrarei
e se me magoarem, pranteio na hora
não serei mais contida
nunca mais serei amena
de agora em diante não penteio mais o cabelo
e o meu hálito será o dos mortos
serei um escândalo de sinceridade
abandonarei nuvem e cavalheiros
não peço ajuda
porque não há quem socorra
não há quem pegue na mão
não existe o outro
só, existe eu
vexame
colapso
e eles dizem:
amém
de apontar
para meus agressores e gritar: v o c ê f a l h o u c o m i g o.
Sair por aí distribuindo panos rasgados. Retalhos da minha carne.
Se me perguntarem: Dói?
Respondo: Dilacera
E se me perguntarem: fica?
Respondo: enraizei-me
E quando me machucarem, urrarei
e se me magoarem, pranteio na hora
não serei mais contida
nunca mais serei amena
de agora em diante não penteio mais o cabelo
e o meu hálito será o dos mortos
serei um escândalo de sinceridade
abandonarei nuvem e cavalheiros
não peço ajuda
porque não há quem socorra
não há quem pegue na mão
não existe o outro
só, existe eu
vexame
colapso
e eles dizem:
amém
9.7.09
Oposto
Conheço uma árvore que nasceu nas costas de um viaduto
Uma flor que mora na barriga de um prédio
Uma pessoa que se estabelece no lixo
Quatro peixes que pairam num papel
Sei de olhos que engoliram uma boca
mãos que andaram nos pés
línguas que conduziram ventanias
Loucura espetada no Globo
Incoerência salpicada em todos
Lugares vazios
Onde não caiba mais nada
Igrejas sem Deus
Vida mortificante
Como?
Como. Me lambuzo e fico cheia de um mundo eternamente impúbere
nunca pronto
Gero esperanças cuidadosas
feito riso de gengiva
aberto e rosa
Uma flor que mora na barriga de um prédio
Uma pessoa que se estabelece no lixo
Quatro peixes que pairam num papel
Sei de olhos que engoliram uma boca
mãos que andaram nos pés
línguas que conduziram ventanias
Loucura espetada no Globo
Incoerência salpicada em todos
Lugares vazios
Onde não caiba mais nada
Igrejas sem Deus
Vida mortificante
Como?
Como. Me lambuzo e fico cheia de um mundo eternamente impúbere
nunca pronto
Gero esperanças cuidadosas
feito riso de gengiva
aberto e rosa
4.7.09
Afta II
Minha doença está em processo de morte
o que me encolhia a boca
some-se
é o falecimento solene
do ácido
fiz guerra:
tomei água
tomei banho
colírio
creme rinse colorama
boche chei
até que os nós se despentearam
e vi o sumiço do meu mal
atualmente
vivo
sarada
bucal
o básico
salva sempre
agora
sou preparada para
furúnculos
frieiras
perda de unhas
inflamações diversas
o fim
o sepultar da afta passada
o que me encolhia a boca
some-se
é o falecimento solene
do ácido
fiz guerra:
tomei água
tomei banho
colírio
creme rinse colorama
boche chei
até que os nós se despentearam
e vi o sumiço do meu mal
atualmente
vivo
sarada
bucal
o básico
salva sempre
agora
sou preparada para
furúnculos
frieiras
perda de unhas
inflamações diversas
o fim
o sepultar da afta passada
3.7.09
1.7.09
Benesses do rei
Adroaldo é tão querido
Mas vamos segredar suas benesses
Matá-lo de felicidade
Enchê-lo de alegria
Plano mais vil e malévolo
amar para o sorriso do outro
Vontade de rodar o mundo, a roda, a perna
Rodar e gerar fantasia de outros mundos
Inventar reinos eternos. Personagens bondosos
Glórias vindouras
Rodar até a realidade cair e só restar a boa utopia
O amor é utopia que se pega, que se cheira,
que se ama. Que se basta, que se roda, que ele
va a estatura Dói a nuca, roda o peito
Fantasia, outro mundo. Que saudade,
dolorida, ai que vida! Mas que morte, que
loucura, fantasia: olha o rei. Olha o rio!
Ventania. Olha a luz. Que paz d o u r a d a
Ondas ao céu, roda no alto
Gira meu leito, gira o braço, maçaneta
Que lei é esta?
Roda de novo e vem pra perto
Vem pra perto, roda comigo, para sempre.
Fantasia
Mas vamos segredar suas benesses
Matá-lo de felicidade
Enchê-lo de alegria
Plano mais vil e malévolo
amar para o sorriso do outro
Vontade de rodar o mundo, a roda, a perna
Rodar e gerar fantasia de outros mundos
Inventar reinos eternos. Personagens bondosos
Glórias vindouras
Rodar até a realidade cair e só restar a boa utopia
O amor é utopia que se pega, que se cheira,
que se ama. Que se basta, que se roda, que ele
va a estatura Dói a nuca, roda o peito
Fantasia, outro mundo. Que saudade,
dolorida, ai que vida! Mas que morte, que
loucura, fantasia: olha o rei. Olha o rio!
Ventania. Olha a luz. Que paz d o u r a d a
Ondas ao céu, roda no alto
Gira meu leito, gira o braço, maçaneta
Que lei é esta?
Roda de novo e vem pra perto
Vem pra perto, roda comigo, para sempre.
Fantasia
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